nome feio • Palavra indecorosa ou ofensiva. = PALAVRÃO

no·me |ô| (latim nomen, -inis)
substantivo masculino

1. Palavra que designa pessoa, animal ou coisa (concreta ou abstracta).
2. Denominação.
3. Apelido.
4. Prenome.
5. Alcunha.
6. Nomeada.
7. Fama.
8. Poder, autoridade.

Acordei de novo as avessas com o meu nome.
Houve sempre uma desavença entre o meu nome e eu. Nunca trabalhamos em conjunto, sempre fomos inimigos um do outro. Ainda hoje quando ouço chamar por mim, sinto uns segundos de estranheza, como se não me reconhecesse naquela palavra.
Nunca percebi o porque desta incompatibilidade. Ate há uns dias, de repente me ter percebido que foi um aglomerado de situações.
Penso ter finalmente chegado a algumas conclusões. Desde pequena que nunca me chamavam pelo nome certo, portanto a estranheza deste nome era incutido também pelas pessoas que me rodeavam. Metade da minha existência foi passado a lembrar terceiros que o meu nome era tal e não aqueloutro. A minha identidade afectada por essa constante mutilação, por essa constante sobreposição de outros. Seria o meu nome feio? Seria o meu nome um erro?
Dai esta distancia que temos, eu e o meu nome.
Houve alturas em que desisti de tentar explicar que eu era uma pessoa diferente da que eles queriam que eu fosse, que o nome que eles usavam para me chamar não era eu, era demasiado cansativo lutar contra tanta gente enganada. E se era assim tanta gente, então talvez eu fosse a pessoa enganada. E depois o meu nome era demasiado exuberante numa aldeia pequena, chamava demasiado a atenção, e sim, preferia que me tivessem baptizado de Maria, Marlene, Carina, assim não teria de me preocupar quando saísse a rua, mas com um nome como o meu, era demasiado perigoso. Sair a rua com aquele nome atrás era procurar sarilhos e intrigas. Mas hoje sei que não era eu quem me preocupava com as intrigas.
Esses medos não eram os meus, era o bolor do preconceito e mesquinhez de outros que transbordavam para mim cercando os meus horizontes com medos que dantes não existiam.

E tão simples destituir o poder de alguém, roubando-lhes o nome.

A tentar fazer as pazes.
Finalmente, 30 anos depois.


Achado de hoje em feira de velharias. Completamente in love. |Inspiração|


des·co·nhe·ci·do 
(particípio de desconhecer)
substantivo masculino
1. Pessoa cuja identidade se desconheceestranho.
adjetivo
2. Ignorado.
3. Que nunca se viu.
4. Por onde nunca se andou.
5. De que nunca se ouviu falar.


Pinhole test



Sábado de tentativas


pro·cu·rar Conjugar
verbo transitivo
1. Fazer diligência por encontrarbuscarinvestigar.
2. Desejar.
3. Pretender.
4. Indagar.
5. Tentardiligenciar.
6. Escolher.


Contaminação - a arte de beber por copos envenenados sem querer. Este vórtice que me empurra para o abismo, quando estou menos à espera.


Papel azul despernado encontrado dentro de um caderno sem uso

Há nódoas de raiva na minha voz. Não me façam falar. Mesmo este silêncio de estar só me dói, sei que não adiantará de muito. É como vomitar cabelos. Queria um canto escuro, enrolar-me e ficar até tudo parar. O quê? Tudo.

Há um incomodo generalizado, uma tristeza física que vem da medula óssea. Hoje, as minhas pernas estão tristes. Que devo fazer? Sem elas não posso ir a lugar nenhum. Queria tanto adormecer e que o raio do mundo acabasse de uma vez por todas.

Pelo menos hoje.
Só hoje.

Auto Retrato Surrealista

Rapariga com cabeça cheia. 
Rapariga com corpo cheio de tripas, tripas à moda do Porto, 
e gostava de comer uma sopinha para acalmar o estômago pois está revolto como a água do mar, 
com esta tempestade que se pôs. Ou foi da cabeça da rapariga com a suas histórias?
Se calhar foi das palavras a chocarem umas com as outras?
Não penses rapariga, que isso faz-te mal!
Zaragata de peixeiras do Bolhão a baterem com os rabos de pescada na cara das apanhadoras de batata transmontanas que estão de passagem.
Rapariga com o coração cheio de amor, mas para onde? Para quê? Por quem?
Parece comida estragada a fazer mal. Fel azedo a causar azia. 
Amor estragado que ninguém percebe, o raio da rapariga! 
O que lhe deu? 
Rapazes, raparigas, quem é que percebe esta rapariga de cabeça cheia de árvores com asas e homens e mulheres vestidas de Maria? 
Pássaros a cantar à janela, ataques epilépticos a subir as escadas e pesadelos na carteira! 
Rapariga órfã, rapariga sem abrigo que não sabe o que fazer com o quarto, tem medo dos amigos, faz amizade com a solidão e quer fugir para não saber quem é. 
Remenda. Remenda a tua janela uma e outra vez e um dia a camada de tinta será tão grossa que já não a podes fechar e os monstros que querem entrar e dormir contigo, violar-te, comer-te e levar-te para passados impossíveis vão conseguir apanhar-te. 
Rapariga.
Rapariga de cabeça cheia, acorda que amanhã tens as vindimas!
Rapariga com a cabeça cheia de música da merda que não quer ouvir. 
Quer dormir para sempre, esconder-se dentro de um sonho e ser um homem. 
As peixeiras pousam a pescada e limpam um polvo, a rapariga quer beber café. 
Quer parar tudo e ficar a olhar o mundo sentada numa cadeira - alheia - como uma morta num caixão. 

all mine, you've got to be (but not anymore darling)


A arte de matar quem não vemos

Não é que tu tenhas deixado de existir. Eu é que te matei, conscientemente. Eu sabia o que fazia. Selecionei a dedo as memórias certas e passei um pano para que as coisas ficassem diferentes vistas do presente. Nada de ti, nada de noites sem dormir à tua espera; a esperança foi o mais difícil... mas essa também morreu quando percebeu que não havia futuro - e toda a gente sabe que a esperança só sobrevive se se alimentar do futuro.
Eu matei todas as coisas ligadas a ti, e consequentemente tu morreste também, porque de certa maneira tu eras feito de todas as coisas que me dilaceravam e desfiguravam aos pouquinhos - eras tu a fonte. Se hoje tenho uma visão cínica relativamente ao amor, foste tu quem plantou a semente.
Mas não vamos falar destas coisas agora que morreste, não de verdade só a fingir. É suposto falar só das coisas boas quando as pessoas morrem.
Esforço-me, e há apenas uma memória que ficou e não sucumbiu à limpeza geral - um carro em andamento, uma garrafa de Whisky e musica. És apenas uma silhueta contra o vidro. Estávamos felizes nesse dia, e fugíamos do tic-tac dos ponteiros do relógio como loucos. Tenho quase a certeza que esta memória é uma collage de todos os bons momentos que vivemos, não faz mal pois não?

Agora que morreste a fingir, penso no que será feito de ti? O que andas a fazer? Como é a tua vida?
Agora deves ser casado e ter filhos. Provavelmente até és tu quem abre a carta da eletricidade, quem empurra o carrinho do Carrefour...
Quando sonho com a tua morte sinto uma enorme culpa. Sinto como se de facto te tivesse morto, como se soubesse onde te deixei enterrado. Sinto que sou a única que sabe que morreste.

É melhor assim.
Se ficássemos juntos, arderíamos consumidos por um sentimento que ninguém queria.

Stunning

papier-mache sculpture titled Storydress II, designed by artist Christine Elfman. The dress is made of stories recorded from her great-grandmother’s autobiographical reminiscences.


faca na garganta

Havia algo sobre o qual eu queria escrever. Agora já não me lembro sobre o quê. Tenho apenas a imagem daquela velha na sua cadeira de rodas a apostar no zero, com um saco de moedas na mão, a gritar, perde, perde.
E perdemos alguma coisa, eu sei.
No entanto, não podemos deixar que o fantasma da perda se acomode muito tempo, temos de o deixar ir viver noutro lugar, mandêmo-lo embora com a velha, aqui não faz falta.

Talvez vá tirar o tal curso de escrita como havia planeado.
Talvez deixe de ler livros sobre esquizofrenia... fazem-me mal.