procurando-me nos papéis de outrora



É ainda cedo, cedo nos dias. O céu está azul cinzento e eu não quero ouvir o mundo. Puxo de um cigarro. Na realidade não puxei, penso que puxei. 
Puxo de um cigarro e fumo-o diante de uma bica quente (a bica não existe, somente nos meus delírios e papilas gustativas). As cores não me ferem os olhos porque não há cores, há apenas ruas com nome de gente. Gente que eu não conheço, nem conheço as ruas. São apenas ruas, são aquilo que são. E depois vêm os sorrisos, aqueles que nada iluminam dentro de mim, aqueles que me vão corroendo por dentro por não serem sorrisos. São bocas, bocas grotescas com dentes e batons de cores garridas, cores que não existem porque afinal o mundo está azul cinzento. São bocas negras que mentem sorrisos. E eu pego-lhes, todos aqueles sorrisos feios, de mãos trémulas tentando agarrar o momento que é mentira e que se desfaz lento. Sorrisos no ar como papel a arder. E vou, no dia cinzento, por dentro (ou fora) da palavra (não - da rua, era na rua), com a maça na mão. Eu quero comer a maçã, mas quero come-la noutro lugar, nalgum lugar verde, vivo, e não este esboço de lugar a preto e branco. Eu gosto de preto e branco, mas queria mesmo comer esta maçã. Sei que depois haverá só janelas à minha volta, mãos que escorregam no vidro e tentam tocar as árvores, sem nunca o conseguirem fazer. Mãos tristes que escorregam, mãos que dantes tocavam outras mãos, na relva, no verde.
Eu quero comer esta maçã.
E como. Dentro de mim, por dentro de mim. De pé. Sofregamente, como quem não vive.

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