É uma sensação estranha a de não pertencer a lugar nenhum, aquela pequena e infantil sensação que nos deixa sonhar com vidas possíveis e imaginadas, aquelas que viremos a ter e as que nunca vamos conhecer.
Onde a deixei eu? Onde pus eu essa sensação libertadora de ainda não ter encontrado aquele lugar e aquele “eu” que quero habitar para sempre, num qualquer lugar, como se ali tivesse existido desde o inicio do mundo? Nos bolsos dos casacos de Inverno? Nos buracos dos muros? Na luz da lua?
E as palavras parecem repetir-se como se as atirasse de um penhasco, o mesmo som, o mesmo rebolar, o mesmo toque rude que tento evitar a todo custo. Procuro a palavra perfeita, a pedra perfeita que vá fazer ricochete na superfície da água e não encontro nada que valha a pena, como se fossem tudo ecos daquilo que realmente quero dizer, pedras pesadas que se afundam no lado sem fazerem som algum, apenas silencio molhado.
Vou perdendo a esperança de algum dia vir a consegui-lo, o tempo leva com ele os dias e os dias vão-me lavando aos poucos deixando a minha pele mais deslavada, as cores da vida mais pálidas e escuras. Quero o sol, quero corar, quero gargalhadas e olhos molhados, pés descalços... Pés descalços que me façam companhia na calçada fria pela noite. As ruas são todas compridas e sobem, e eu quero tanto descer, descer e encontrar as pequenas pontes de pedra que saltitava como criança alegre.
Quem perdeu? Quem ganhou? Lembro-me de um qualquer jogo que gostava de jogar, mas agora já é tarde, faltam-me peças e esqueci as regras. O vento toca-me no ombro, lembrando-me que ainda há tempo para mais sonhos, e fico a vê-lo rebolar-se pelas paredes e pelas folhas que acaricia com suavidade. Então, para não ouvi-lo, vou mexendo nas gavetas vazias, imaginando as de outrora, e leio papéis que não existem senão na minha cabeça, e leio-os em voz alta até acreditar que eles ali estão, nas mãos e no chão.
Havia quem dissesse que as palavras são muitas vezes portas fechadas que raramente mostram o que têm la dentro, eu tenho as janelas, e das janelas vemos sempre tudo, nem que breves silhuetas esvoaçantes que nos fazem acreditar que as borboletas têm asas.
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