contagem decrescente

A Ru na India - 25 dias

as meninas bonitas comem gelado - olha que feias!

Pah pah ta tum tum
Acho que é quarta feira e o sol está a pôr-se.
Noite e dia sonho em caminhar por caminhos de terra que não me levam a lado nenhum.
Uma confusão. Pah pah ta tum tum
Depois lembro-me do pôr do sol e sei...
Sorri todos os dias como as meninas bonitas.
Sê feliz, como te ensinam nas revistas.

Para então descobrires que a porra da felicidade é um unicórnio inútil,
só serve para foder cabeças.
A felicidade, quer acredites ou não, é uma puta.
Vai com todos e não fica com ninguém.
Vende-se, como os gelados na praia, por tuta e meia.
Vende-se barata e quanta mais felicidade tu compras mais fodido vais ficar no final - vais ver.
Estou farta de pílulas cor-de-rosa.
Felicidade isto, felicidade aquilo.
Que se foda a felicidade com todos esses que por aí andam, essas capas de revista.

Eu queria ser uma menina bonita mas não posso.
Nasci feia e os meus pés magoam-me.
São grandes.
Pés de homem. Tenho pés de pai.
Pés de ausência, de estar longe.

Quando olho os meus pés lembro-me de quando era pequena
e lembro-me também de como me faziam sentir feliz - tenho os pés do meu pai.
O que é que eu queria?
Não mudes. Talvez nos encontremos no futuro e então...
então eu serei uma boneca de porcelana.
Tudo isto se os meus pés não me traírem.

a feira

Deixa-me inventar uma história. Senta-te aí nesse banco e puxa de um cigarro, falarei enquanto aqueles lá ao fundo tocam. Sou como uma cigana de feira, sabes? Finjo saber o futuro de todos para sentir que também sei alguma coisa do meu. Conto histórias aos que me pagam, com a esperança de encontrar no meio da minha ladainha a resposta que eles não sabem, e ali, no meio do povo e das cenouras ao quilo eles idolatram-me como uma deusa, eu sou a verdade que eles não podem encontrar em lugar nenhum. Do risco das mãos suadas e calejadas que me estendem a medo, faço letras e com elas construo palavras que não passam de canções de embalar. Abano as minha ancas de cigana sem casa e ao longe eles me vêem chegar, cheia de sabedoria, cheia de histórias para contar aos meninos sem pai nem mãe. Se soubesse escrever inventaria uma história sobre a minha vida onde incluía leões, Reis e bailarinas dotadas. Barcos com velas cheias de vento na barriga e montanhas encorpadas vestidas de árvores e bichos. Sou uma cigana pobre e só, comigo apenas trago o saco com trapos que me deu meu pai no dia em que morreu, o coitado, já nem sabia quem era, quem foi. Também lhe contei histórias da sua vida, hoje, depois daqueles serões, ele parece-me um grande homem. Para mim a alegria da vida é acordar cedo e ir para a feira chamar as meninas e sussurrar-lhes sobre o amor, vê-las sorrir, bonitas e alegres. Sou uma falsa farsa, porque na realidade também eu não passo de uma história contada por mim, e sou aquilo que eu quiser. Quem me dera poder ir dançar para os senhores da nobreza em troca de moedas de ouro, mas hoje em dia só há televisões a cores, das ciganas já ninguém fala. Saudades do tempo em que no Verão tirava os sapatos e corria descalça o tempo inteiro, ignorando os avisos sábios da minha mãe que me advertia sobre as pedras mais malvadas. Nenhuma delas, nem as mais afiadas me fizeram calçar de novo as minhas sandálias. Dentro da minha cabeça a vida tem uma cor mais intensa, as pessoas são mais belas e as estradas são para andar nelas sem se pensar em voltar para trás. Pudesse eu dançar noite dentro e seria feliz numa cabana de estrelas.