uma mão no rosto de um cão com sarna . visita . retrato de uma mulher . palavras soltas num dia qualquer . vento


Onde o esconderam? Porque calaram o mar? E o barulho das árvores? Ninguém diz nada!? O silêncio é universal e sinto-me como aquele cão moribundo recordando a sua juventude junto da figueira. Porque me fogem as palavras, porque se escondem, malditas!, por entre as linhas de uma caneta que não sabe desenhar? Encontra-me. Encontro-me. Dedos que querem gritar, dedos que gemem de dor, de silêncio de ódio. Dedos que querem escrever, dedos que querem devorar palavras. Significados? Só este nó no estômago, esta pedra. Onde deixas-te o sol, onde?
Quem diria, que pode haver poetas sem poesia.

2 ponto 8 (2 ponto 6)

Hoje é dia de birra. É dia de atirar com as coisas ao chão, dia para escrever textos em francês, é dia de riscar folhas de jornal e de comer lixo, dia para dar erros ortográficos e dizer: 
"não quero, não quero, não quero" 
"corrige os erros Maria" 
"não, não e não" 
É dia de faltar à escola. Fugir de casa. Comprar gomas e ir comê-las na praia. É dia de rasgar jornais e esconder os comandos da televisão. Hoje é dia para rasgar todas as minhas roupas e a seguir chorar - afinal eu sou uma rapariguinha que perde 5min por dia a mirar-se ao espelho. Sinto-me perdida numa feira popular gigante. Uma menina birrenta com lágrimas de crocodilo a lamber um pau quase vazio de algodão doce. Ao olhar para o céu, as nuvens garantem-me mais uma vez que hoje é mesmo dia de birra. Tudo tem um significado, mas eu não percebo qual é o deste dia cinzento. Queria muito ter sol, mas este que aqui têm é a fingir. Queria muito não ter de aprender a tabuada e de poder passar os dias a fazer desenhos com giz num quadro negro. Desenhava todas as minhas birras lá e depois apagava-as. Desenhava todas as nuvens cinzentas e a seguir apagava-as. Dás-me um apagador mágico? Se preferires pega-me ao colo. Está mesmo na hora de ir dormir. O meu coração está tão cheio com estas tralhas que sempre que bate todas as bicicletas do mundo começam a fazer um barulho esquisito.

a mentira é uma verdade que se conta às escondidas

Eu sempre tive aquela mala, desde sempre. Desde sempre é muito tempo, mas sei que ela existiu desde o meu inicio. Com o tempo que foi passando ela foi ficando gradualmente mais apertada, nos últimos anos era tão pequena que somente minúsculos envelopes cabiam dentro dela. Sinto falta dessa mala como das varandas no Verão, do baloiço de almofadas azuis, das gaivotas na praia. Mas daquilo que mais falta sinto é de mim mesma, pequenina e dobrada dentro dela.

Plus près du ciel

Maman, écoute, sincèrementm dis-moi, Maman, ne me trompes pas! Je ne peux plus vivre sans toi! Dis-moi vraiment si au ciel où es, Maman, il y a une place tout-près de toi?

Era uma vez em tempo antigo um castelo e uma noite de pecados sem fim

"Eu amo a lua do lado que eu nunca vi. Se eu fosse cego amava toda a gente."
- Almada

brinco de pérola em areia

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(Almada Negreiros) 
 

afogar as minhas crenças

Cabra Paranóica, esse deveria ser o meu nome, assenta bem com as cores do meu casaco, combina bem com o tom de pele e tem a ver com o corte do meu cabelo. Vinho tinto, sardinhas e uma mesa aos quadradinhos, a Cabra Paranóica no centro de peito esticado a servir mentiras ao jantar - com espinhas para engasgar toda a gente. Unhas descascadas, sujas, unhas de ganso, bico de pato lambendo a loiça com fome de carinho, tudo por uma boa gota de humanidade - vá lá, deixem-me sentir qualquer coisa, uma molécula de ser humano.
Cabra Paranóica ao jantar, Cabra Paranóica ao almoço e a barriga a roncar de fome, de  sede de loucura - grito - a prisão da vida, da ignorância. A escuridão invade o mundo e os lobos preparam-se para a caça, peles de carneiro são lançadas no fogo para ofuscarem os olhares dos inocentes, ninguém vê, está tudo cego e todos rosnam e gemem e gritam como animais com cio, Cabra Paranóica não fala, é muda de nascença, os olhos reviram-se nas órbitas, não sabe o que fazer, a mesa aos quadradinhos parece uma mesa de xadrez e é a sua vez de jogar.

Found it! The nothing.

Acreditar é difícil. É difícil acreditar que as coisas são o que são. Queremos sempre que sejam outra coisa qualquer - melhor. Damos tudo para não ver a realidade tal como ela é - feia. Somos como as formigas - um ponto qualquer que se mexe lá em baixo - para quê?

fim de tarde . fim do vento . fim da lata

"I'm sick of my own romanticism!" 
— Anaïs Nin 

Erro Ortográfico

Há uma vontade imensa. Uma vontade invasora que derruba tudo à sua passagem, uma vontade devoradora, esfomeada. Uma vontade de comer palavras e rasgar paisagens. Incendiar corpos com prazer e desejo, partir sentimentos. Há uma vontade de felino carnívoro, vontade de animal selvagem até ao núcleo - indomável. Há uma vontade de partir mar adentro, romper ondas e separar oceanos, beber o mar e nunca mais ver terra. Há uma vontade de morrer e renascer. Vontade de respirar, andar, falar outras línguas. Há uma vontade de apagar os nomes de gentes esquecidas, amores vencidos, sonhos que se alinham moribundos na valeta prontos para o fuzilamento. 
Há uma vontade de gritar até o corpo doer e não haver mais nada a dizer, apagar a voz, até renascer o sorriso. 
Há uma vontade de sentir. Sentir verdadeiramente os momentos, os lugares. Sorrir sorrindo mas de verdade. 
Há uma vontade de abrir o mundo para sempre e finalmente viver pela primeira vez.

Circo

Sinto-me como um palhaço sem festa, miserável e triste sem perceber onde pára a tenda do circo. A trupe adiantou-se na viagem e ele (eu, palhaço) foi ficando para trás sem perceber que todos o abandonaram, agora o mundo não é mais uma festa para crianças, é já o mundo dos adultos que julgam, que não sonham, que pensam em números e fazem planos específicos para cada dia da semana. O palhaço quer fumar um cigarro, quer beber um copo de gin. O palhaço quer chorar mas não pode pois vai desfazer a máscara e tudo o que ele não quer é revelar a sua verdadeira identidade. Há que manter o boneco. O palhaço sem circo é ridículo. O ridículo boneco sem circo, sem trupe, sem crianças para divertir - um palhaço solitário num mundo egoísta onde se pode tudo menos ser feliz.

barcos pirata navegam-me o pensamento


O silêncio invadiu as folhas de papel para esconder os segredos. Mais histórias por contar. O silêncio é o mestre das histórias, mas quer todas só para si, e escapam só os olhares e os sorrisos roubados de vez enquando - quando está distraído. Controla cada linha, escolhendo a dedo as palavras para não revelar demasiado (será demasiado?), arranjando caixinhas e artifícios para nelas guardar as suas preciosidades e não revelar a ninguém aquilo que tem para contar - histórias imensas como o mar. E quem tem razão? O silêncio com o seu secretismo? A brancura do papel com a sua inocência, ou a caneta que afinal sabe tudo com apenas um toque de mão? Ou então somo nós? Eu já não sei, sei apenas que não posso escrever... o segredo. Verdade a mais? Imaginação a mais... O silêncio invadiu as folhas de papel e tudo o que nelas escrevo são círculos, de onde não posso fugir.


"There are two ways to reach me: by way of kisses or by way of the imagination. But there is a hierarchy: the kisses alone don't work."

  — Anaïs Nin (Henry and June)

Journey in Sacthidananda - Alice Coltrane

Já te apeteceu dançar de olhos fechados e braços esticados?

Restaurante Narcisa

Menu para hoje 

Entrada: Picnic com os amigos.
Prato Principal: Bolas de sabão na praia com saltinhos e pezinhos molhados no mar
Sobremesa: Sorrisos e alegria com salpicos de loucura

10.56 as coisas que podes fazer

posso mesmo? a sério? não será demais para a minha idade avançada? talvez seja melhor deixar ficar a minha vida estagnada e não viver para o bem da humanidade, para que todos possam viver melhor e em comunidade - a paz de todos acima da felicidade de uma só pessoa. 
quem quer mesmo saber da sociedade? ela quer saber de mim? preocupa-se se eu durmo bem à noite, se eu tenho problemas, barriga cheia?

Dream land, dream land


There was a girl that dreamed about an imaginary bear. He lived in a far away forest and she used to sing him imaginary lullubies that he could never hear. But in her girlie little heart, her bear was always there listening to her dyslexic little crazy girlie songs. The fact was that the crazy little girl was so fucked up that she was always happy in her paranoid little non existent world. 

0.5



0.5 é o espaço que nos separa. Como a linha do caderno se separa das palavras que eu escrevo.  A verdade é que nunca tinha pensado desta forma sobre nós, mas quando pensei fez sentido, foi tão claro e transparente como um lago que se revela na manhã clara e mostra aquilo que tem de mais escuro dentro de si. Gosto de ti, temos tão pouco em comum que até me surpreende, mas é verdade.  A minha vida começa agora a fazer sentido, só agora que consigo falar nas coisas difíceis que guardava para não mostrar a ninguém.
Foi um segredo até para mim mesma, mas a viagem até casa da minha mãe fez-me perceber que guardar segredos é coisa para pessoas fracas, quando me deparei com esse facto percebi que estava a tentar ser alguém que não era, somei um mais um e parei de fingir. A minha mãe partiu uma chávena cor-de-rosa do seu serviço de chá quando lhe contei, depois começou a chorar. Trancou-se no quarto e diz que a culpa é toda da minha tia. Ainda não me fala. Nem sei onde vou ficar esta noite. Não me apetece voltar para casa, não me apetece varrer aquela chávena partida, é como se ao limpar aqueles cacos e ao deita-los fora estivesse novamente a esconder a verdade. Esta noite vou dançar e brindar o facto de finalmente ser livre. Sou gay e esta noite vou dançar contigo!

I don't know what came to me, but i became pretty evil *