Insólitos Bairro Alto

Homem aproxima-se.
- Desculpe, quero fazer-lhe uma pergunta, não quero dinheiro nem nada: estou bem vestido?
Depois de uma longa pausa entre o admiração e surpresa "Está, mas se fosse a si punha as golas da camisa branca para dentro".
"Ora, assim não parecia um mafioso."
E afasta-se, cambaleante, ao som da sua música embriagante.

(Adoro o bairro)

Manon Lescaut (Puccini) - Fra le tue braccia, amore

Manon Lescaut

"Agora oscila entre dois amantes, um a quem adora, outro a quem tira a pele." (Miguel Torga)

Não é tarde.

Quando se sentou na secretária, empenhada, percebeu que já não conseguia escrever. Cada frase desenhada no papel parecia um esquiço grotesco e vazio, sentiu que todas as palavras que pudesse querer dizer, haviam já sido ditas cem, mil vezes. "Não é tarde", pensou. Talvez não fosse. Talvez não fosse tarde para ser outra pessoa, ainda que no mundo houvesse já quem poderia vir a ser. E num desespero, abriu a janela em hesitação, parecia que tudo havia chegado ao fim. Mas nunca nada acaba. O telemóvel tocou. Valiam-lhe as mensagens, essas, ainda conseguia escrever, e bem.
Mas quem sente muito, cala
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

(Fernando Pessoa)

Sally Mann


Lisboa acordou bonita, mas triste.

Poema melancólico a não sei que mulher (Miguel Torga, Diário VII) - Cruzei-me novamente com o Miguel na prateleira de uma livraria ali no Chiado, uma daquelas que ninguém entra e que tem todos os livros espalhados, como deve ser... quando li, apaixonei-me.


Dei-te os dias, as horas e os minutos 
Destes anos de vida que passaram; 
Nos meus versos ficaram 
Imagens que são máscaras anónimas 
Do teu rosto proibido; 
A fome insatisfeita que senti 
Era de ti, 
Fome do instinto que não foi ouvido. 

Agora retrocedo, leio os versos, 
Conto as desilusões no rol do coração, 
Recordo o pesadelo dos desejos, 
Olho o deserto humano desolado, 
E pergunto porquê, por que razão 
Nas dunas do teu peito o vento passa 
Sem tropeçar na graça 
Do mais leve sinal da minha mão... 

Fernando Pessoa

O cansaço de pensar, indo ao fundo de existir,
Faz-me velho desde antes de ontem com um frio até no corpo.

Wild is the wind

I was never one for singing what i really feel
Except tonight i'm bringing everything i know that's real
Stars, they come and go, they come fast or slow
They go like the last light of the sun, all in a blaze
And all you see is glory
Hey but it gets lonely there when there's no one here to share

I need a... drink.

I came by myself to a very crowded place, I was looking for someone who had lines in her face. 
I found her there but she was past all concern, I asked her to hold me, I said, "Lady, unfold me", but she scorned me and she told me I was dead and I could never return. 
Well, I argued all night like so many have before, saying, "Whatever you give me, I seem to need so much more". Then she pointed at me where I kneeled on her floor, she said, "Don't try to use me or slyly refuse me, just win me or lose me, it is this that the darkness is for". 

I cried, "Oh, Lady Midnight, I fear that you grow old, the stars eat your body and the wind makes you cold". "If we cry now," she said, "it will just be ignored". So I walked through the morning, sweet early morning, I could hear my lady calling, "You've won me, you've won me, my lord, you've won me, you've won me, my lord". (Leonard Cohen)

Recuperando velhos hábitos: livros ao calhas! (Maio: Soren Kierkegaard, O Banquete)

"começamos a estar sós, quando ouvimos que os outros se afastam" (Kierkegaard)