8

Queria muito escrever a palavra MAR para ver se ao pronúncia-la a sua essência me enchia a alma.

7

(...) Sinto a cabeça nadar à roda e as emoções não sei onde param. Não quero arrumar nada, não consigo, não há no espaço espaço que chegue para arrumar a idiotice, ela não cabe em lado nenhum. Porquê um "mim" tão barulhento? Fecho os olhos, mas quem poderá tapar os ouvidos? O som da rua não se cala; as veias não param; as vozes que chegam de todos os lados desta casa deserta de mim. Onde encontrar o fim para sempre? Ou só agora, porque não sei o que quero para sempre... talvez sol, mas isso podia fazer mal às plantas. Deixem-me aprender a escrever outra vez, "Senhora professora, eu preciso aprender a escrever novamente para escrever coisas bonitas... as minhas mãos só escrevem merda." Se eu fumasse morria de desejo por um cigarro agora. Como não fumo, a televisão serve.

6

Começo a duvidar da vontade de escrever. A vontade de ser palavra. A vontade de ser mais do que aquilo que posso na realidade. Já não acredito. Suspeito. Desconfio como desconfia o lojista do cliente. Serei de confiança? O que é esse ar de suspeita? Desconfio como desconfia o cigano do polícia. Sou como os gatos. Quero querer qualquer coisa que ainda não sei o que é ou vai ser. Vou querendo este querer mentiroso que me faz sentir mais segura por sentir que quero querer. E agora? E agora o que fazer no espaço vazio que existe entre querer e o querer o que vou querer?! O que há? Branco. Branco como folha que quero escrever mas que nunca escrevo pois nasci com mãos preguiçosas e com uma cabeça cheia de janelas que me fazem perder na luz branca. A luz - um hospital para ceguinhos, serve para abrir portas. Fechem as janelas que eu não quero ver o sol.

5

Eu quero escrever todas as folhas do mundo! O quê? Palavras, ora!. Se puder ser eu gostava de contar histórias. Será que há tempo para este sonho se eu tirar uma ficha?

4

Sim, sim, quero parar com essas coisas. Quero estar calada. O que é que estás a fazer? Deixem-me estar calada a lembrar-me das amendoeiras. O cheiro do batatal de madrugada, o barulho das mulheres do campo a bater os baldes enquanto esperam por mais um amanhecer. Calem-se também os grilos que cantam. A mãe quer chá? Eu queria amigos, mas paciência, as crianças não podem ter tudo. Não faz mal, eu faço o chá e invento as crianças nos livros e nas coisas. Eu falava sozinha "O que é que estás a fazer?", nos livros, nas coisas. Eu falava sozinha e imaginava um mundo diferente em que me obrigavam a comer a sopa e a tomar banho. Pensando bem sou uma cigana. Sempre de cá para lá, um deambular solitário de quem só quer comer pão com manteiga. Ao menos que eu tivesse tido um burro.

3

O sol parece não querer despontar. Onde se meteu ele? Está atrasado. Tenho frio.

2

Gostava de ter a mãe por perto outra vez para que me pudesse mandar para a cama.

1

"Necessitava de falar com os outros para me ver melhor a mim." Naquele tempo embebedava-me com leite. Corria descalça e deixava o meu corpo refrescar-se com o vento das tardes de Verão. Abria os braços e rodava. Naquele tempo o coração batia e eu deixava. Agora bate com uma fúria que desconheço e só quero que ele acalme. O mundo assim roda demasiado rápido.

moral da história

Ontem fui ao teatro. É um teatro pequeno com peças sempre muito diferentes. A peça chama-se "aquário na gaiola". Uma história a fugir para o "contemporâneo juvenil". Uma história de amor no século XXI (presumo), os temas de antes: as diferenças entre as classes sociais, o impacto que isso tem nos amor e no personagem. A verdade é que a peça focou um ponto importante do mundo em que vivemos agora: o exterior de cada um de nós vale tudo, aquilo que somos, não vale quase nada. Todos diferentes todos iguais. Não quereremos nós ser iguais a toda a gente para assim sermos aceites nesta sociedade "voyeurista"? Uma das falas da personagem Inês ficou-me como que gravada "é proibido ser-se feio". Não há uma lei escrita que o proíba, mas sim uma lei que se espalha como um vírus. O que é o conceito de beleza hoje em dia? Às vezes sinto que sou de outro tempo, algures num lugar onde as pequenas coisas também são importantes...

fragmento de um diário antigo II

Eu não tive muitas avós. Tudo o que me foi legado como herança foram as histórias perdidas que me iam contando, memórias esbranquiçadas pelo sol de pessoas que ainda se recordavam dessas avós de outros tempos. Aquela que mais curiosidade me deixou foi a avó Conceição. Acho que o primeiro nome era Maria. O meu pai, homem de poucas palavras e afectos, nada, ou muito pouco, me falou dela, mas todas as migalhas que consegui reunir me fazem crer que era uma mulher forte, inteligente e perspicaz. Cresceu e viveu numa época em que as mulheres pouca importância tinham no mundo (achavam os homens dessa época, tal como o meu avô Fernando, homem do campo que se casou com a Conceição ninguém sabe bem como). Não sei de onde era essa minha avó, acho que em tempos perguntei ao meu pai, mas foi uma resposta vaga, um lugar nenhum. Pressuponho que seja transmontana como toda a minha família. O sobrenome, não o sei também, os seus 7 filhos herdaram somente o Magalhães; dela, mulher magra e frágil, talvez as feições e a magreza. Nasceu no século XIX, cresceu na época áurea da evolução. Viajou em jovem, viveu no Porto, trabalhando em casa de alguns senhores importantes, penso, e viveu em Inglaterra, de onde veio a saber tocar violino e a falar Inglês, coisa que ela muito se orgulhava. Durante toda a vida disse que não se casaria com um homem simples, e um piparote do destino deixou-a casada com um homem do campo, a viver numa pequena aldeia em Trás-os-Montes, grávida do seu primeiro filho e a gerir uma pequena Venda (mercearia). Dizem que foi a idade que assustou seus pais e a quiseram despachar o mais rápido possível não fosse ela acabar solteira - desgraça. Dizem que era má, brincava malevolamente com a inocência dos que na altura pouco percebiam do mundo, sábios apenas nas épocas das colheitas e na qualidade das batatas. Envelheceu franzina, amarga e distante. Só, num mundo que não reconhecia. Era costureira, nos seus últimos anos dava aulas. Com ela também a minha mãe aprendeu essas artes das agulhas. Quando ela morreu, teria eu uns 5 anos, lembro-me de mexer na sua máquina de costura e encontrar botões pretos. Não sei se a teria amado, mulher bruxa, vestida de preto e ríspida. Mas fez crescer em mim a curiosidade que a querer explorar, desvendar quem seria essa mulher.

Porque tudo é tão triste? Ah... se ele soubesse. (carta tresloucada de sexta)

Eu quero uma mini saia. Sim, é verdade, parece que os meus 15 anos finalmente chegaram e quero uma mini saia! O meu cabelo está maior do que quando nos conhecemos, talvez agora possas trepar a torre! Eu faço crepes e podemos ver filmes a noite toda! Ou se preferires, fugimos como dantes. Ah, parecem pequeninas formigas estas emoções que se perderam. Estão a voltar, sentem-se da mesma forma que um pé dormente quando dormimos mal... Ah, as viagens de comboio, os candeeiros das cidades à noite... Vou devorar tudo como se de um chocolate se tratasse! Vou pegar em ti e abanar-te, abanar-te e beijar-te e abraçar-te! Quero correr no lusco-fusco de braços abertos e rodar a olhar o céu. Despimo-nos e eu finjo que sou tu e tu és eu, até uso o teu chapéu! Ah, se as palavras tivessem fechaduras especiais e tu tivesses todas as chaves, poderias descobrir mil tesouros escondidos em tantos e tantos papéis esquecidos e rasgados, palavras e palavras... Ah, que loucura, quero dançar só porque me apetece... e não estou farta, e uso as reticencias como qualquer miúda apaixonada com 13 anos! Fazes parte das minhas reticencias. És o terceiro ponto. Escolhi esse porque é o que está mais longe, assim posso espiar-te sem saberes. Sabias que as árvores às vezes têm maçãs?

Bilhete por baixo do guardanapo, xiu, é segredo!

Não me podes julgar. Eu não deixo. Se tenho o poder para fazer alguma coisa? Não, mas não acho justo.