"Eu não sou tão triste assim, é que hoje eu estou cansada."
(Clarice Lispector)

(Photo: Vogue)

Better things will surely come your way...

Desceu as escadas para comprar os cigarros. (Um homem alto)
Estava uma noite sem graça. Escura, com nuvens, tinha uma lua deslavada e sem brilho escondida por se sentir feia. A rapariga esparava-o na rua. (Uma rapariga de cabelo curto)
Foi sem querer que isto se passou, dizem, ela esperava-o sem querer - uma coincidência. Entrou no carro para lhe fazer companhia na curta viagem da compra dos cigarros. Trocaram poucas palavras, chorrilhos sobre um dia a dia sem interesse, coisas de amigos. Uma ida ao cabeleireiro, uma falta ao trabalho - o quotidiano. O carro deslizava em silêncio para ouvir a conversa, não a que saia da boca dos dois, mas a conversa que vinha de dentro, aquela que não se falava - a conversa secreta.
Pararam o carro. Saíram. A marca do tabaco era a de sempre. Ela não fumava.
Voltaram, agora os passos eram outros, falavam mais alto, a conversa secreta tinha já uma voz que se expressava. Entraram no carro.
Aconteceu o inevitável - o beijo.
Ao estacionar o carro ele pensou por breves segundos na outra que o esperava em casa.

tenho medo de me esquecer das letras e consequentemente das palavras

Nem sempre as palavras saem com verdade. Visto-me com a pele de alguém que invento e por aí vou, caminhando pelo mundo que imagino, a escapar de mim e das histórias que queria contar. Sempre encontrei um amigo nas folhas, a caneta era o café que tomávamos juntos enquanto eu desfilava os sentimentos e os desenhava com verdade. Agora, já não sei. Não sei quem é esta que luta com as folhas, que discute e que corre a esconder-se no silêncio. Continuo à procura daquela alegria infantil das pequenas coisas, mas parece que ma roubam. Sem ela, sou uma concha sem mar. Sou um objecto bonito mas sem sentido, guardada numa gaveta feita por mim. Tudo mudou neste mundo de piratas. Continuo a querer deixar escapar pequenos pássaros , mas eles caem e não querem voar. Serei uma mentira?

Everybody is a mess...

"Eu não: quero é uma realidade inventada." (Clarice Lispector)

I'll try (preciso cortar a franja (outra vez))


Há coisas que eu quero fazer, ainda que não saiba como fazê-las, quando, nem porque motivo. São coisas de míuda, e não vale a pena perguntar porquê, não vou ter respostas para todas essas perguntas. Queria que a minha festa de aniversário fosse num quarto de hotel, talvez por causa daquela ideia da minha vida o ser, de certa forma (um quarto de hotel). Uma festa com balões, álcool e langerie. Perder a cabeça, não pensar no amanhã, esquecer quem sou, esquecer no que a minha vida se transformou e dançar a noite inteira com amigos e desconhecidos. Talvez sejam parvoíces.
Parvoíces "of a dying girl in her twenties".

?

Pergunto-me: quando irá esta angústia passar?

A minha vida é um quarto de hotel

Por vezes a minha vida é parecida com um quarto de hotel. A mesma sensação, o mesmo sentimento. Nada parece permanente, tudo é transitório, se é que me faço entender. Adormeci com esta frase na cabeça. A minha vida é um quarto de hotel. E na realidade não sei o que fazer com ela, e agora chego aqui e não sei o que fazer com esta frase. Só sei que me apeteceu justificar o texto. Acho que ando a pensar demasiado em Boris Vian e no surrealismo. Tenho mesmo de comprar esse livro, porque me persegue por todo o lado, persegue-me e eu não o consigo ler, mesmo que queira. A minha vida é um quarto de hotel porque sinto este desconforto de não saber o que fazer com ela, então faço tudo o que está ensaiado, como se a usasse para todas as fantasias, menos para a viver realmente, para fazer dela a minha casa, o meu conforto, e vivo neste desconforto diário de não poder tirar as meias e sentir na pele a alcatifa, o desconforto da janela estar avariada e não poder respirar ar puro... Vivo num quarto de hotel.

Looping

I'll be seeing you
In all the old familiar places
That this heart of mine embraces
All day through.