a[gostos] IX- também eu tenho que aprender a existir?

Era cedo, cedo nos meus dias. O céu estava cinzento e eu não queria ouvir o mundo. Puxei de um cigarro. Na realidade não puxei, penso que puxei, puxei um cigarro e fumei-o diante de uma bica quente (a bica não existia, somente nos meus delírios e papilas gustativas). As cores não me feriam os olhos porque não havia cores, só ruas com nomes de gente. Gente que eu não conheço, nem às ruas. Admiro-me com as poucas coisas que sei... deveria aprender os nomes daquelas ruas. Eram só ruas, aquilo que são, sem grandes significados escondidos dentro delas. E depois vinham aqueles sorrisos, aqueles que nada iluminam dentro de mim, aqueles que me vão corroendo por dentro por não serem sorrisos. São bocas, bocas grotescas com dentes e batons de cores garridas, cores que não existem porque afinal o mundo está cinzento... são bocas negras que mentem sorrisos. E eu pego-lhes, todos aqueles sorrisos feios, de mãos trémulas, tentando agarrar aquele momento que é mentira e que se desfaz lento. Sorrisos no ar como papel a arder. E lá fui, no dia cinzento, por dentro (ou fora) da palavra (não, da rua, era na rua), com a maça na mão. Eu queria comer aquela maça, mas queria come-la noutro lugar, algum lugar verde, vivo, e não este esboço de lugar a preto e branco. Eu gosto de preto e branco, mas queria mesmo comer aquela maça. Sabia que depois eram só janelas à minha volta, mãos que escorregam no vidro e tentam tocar as árvores, sem nunca o conseguirem fazer. Aquelas mãos tristes... e escorregam essas mãos que dantes tocavam outras mãos, muitas, na relva, no verde.
Eu queria comer aquela maça.
E comi. Dentro de mim, por dentro de mim. De pé. Sofregamente, como quem não vive.

Desfaz-se o tempo em rotinas e vontades
Em projectos e verdades
Em desgostos que se alastram
Em vestígios distorcidos
De nascentes que encontramos
E é sempre quando seca que
Tudo se tem que se agarrar
Tudo o que faz fugir
E a verdade passa a estar
No fundo dum copo cheio do que se quer ser
E a beata no chão que faz os olhos arder
É a nova moda das crianças que ainda estão a aprender
Como têm que estar e andar e beber
E dançar e comer e falar e ouvir
E sentar e sorrir pra saber existir aaaahhhhhh
Só eu sei ver o sol nascer
Só eu sei ver o sol nascer
Desfaço-me em pedaços, em retratos em…
Mentiras que trocámos e abraçámos sim
Fugimos mas voltámos
E o que presta, o que
Resta em nós…
Num fim de festa onde…
Todos sabemos quem somos
Ou quem não se quer lembrar
Ou quem precisa de estar
Perdido noutro sonho
A mesma noite, o mesmo copo,
O mesmo corpo, a mesma sede que não sabe secar
Onde se encontra sem se procurar
Onde se dança o que estiver a tocar
Muito fumo muito fogo muito escuro
Quando somos o que queremos
Quase somos o que queremos
Quase fomos o que queremos aaaaahhhhhhhh
Só eu sei ver o sol nascer
Só eu sei ver o sol nascer
Quase fomos o que queremos
Quase somos o que queremos
Quase fomos o que queremos
Quase somos o…
aaaAAAHHH
Só eu sei ver o sol nascer
Dança em mim. Dança em mim! Mundo, vida e fim! Dorme aqui.
Dentro de mim..
[Toranja no MP3 da Maria Caxuxa

a[gostos] VIII

wada na tod, tu wada na tod

tu wada na tod, tu wada na tod
(meri chadhti jawaani tad
petu munh na mod, tu wada na tod
tu wada na tod, tu wada na tod)
(neend humaari piya, tune chura
ayikahaa chupa hai piya tu hai harjaayi)
meri chadthi jawaani ..... tu wada na tod
(koi nahin hai tere mere bin yahan pechal
baithe chhao tale dekh wahan pe)
meri chadthi jawaani ..... tu wada na tod
(wada nibana hoga saajan tujhkodoli mein
bhi taake apne daal le jaa mujhko)
meri chadthi jawaani ..... tu wada na tod /

(Lata Mangeshkar - wada na tod)

a[gostos] VII- o grito

É aquele grito que nasce no fundo da barriga e cresce como uma papoila por dentro das coisas que não vemos - uma manhã, abre em violência como um grito vermelho no amanhecer do amarelo.

Alberto Caeiro

Todos os Dias

Todos os dias agora acordo com alegria e pena.
Antigamente acordava sem sensação nenhuma; acordava.
Tenho alegria e pena porque perco o que sonho
E posso estar na realidade onde está o que sonho.
Não sei o que hei de fazer das minhas sensações.
Não sei o que hei de ser comigo sozinho.
Quero que ela me diga qualquer cousa para eu acordar de novo.
I'm mad, mad, mad, mad.

Hoje... hoje sinto-me fútil.

Coisas que quero sem saber bem porquê, mas que ao me questionar "porque é que quero estas coisas?", a resposta que obtenho de mim mesma é:
Porque sim, ora!
1ª coisa fútil: uns óculos, desde que perdi os meus que sinto que não sou a mesma pessoa.
2ª coisa fútil:um guarda chuva, especialmente se for aquele que eu vi no outro dia.
3ª coisa fútil: tecidos, apetece-me fazer coisas.
4ª coisa fútil: pintar o cabelo de uma cor qualquer... ruivo, loiro escuro, sei lá, qualquer coisa que me faça esquecer este desastre "cabeleireirico" que estou a atravessar com um corte de cabelo pavoroso que me faz parecer uma maçã (não faz, se fizesse até que era bom).
5ª coisa fútil: ganhar o euro milhões ou coisa parecida (era bom não ter que pensar em dinheiro, já chega ter de pensar se tomei ou não a pílula - hum!?).
6ª coisa fútil: expulsar as minhas ideias fenomenais da minha cabeça (quando tenho muitas ideias é difícil criar o que quer que seja, é só ruído - vvzzzzjjjjjjzjsdgdgttttatasfdddchhhhchcchhc).
7ª coisa fútil... aaahhh, e por aí adiante: não ter vento, ir ao pedicure, manicura, não ter pele seca e acabar com os problemas hormonais de uma só vez... ter um tesoura que corte! Bah... fútil!

a[gostos] VI

Eu tinha sonhos que eram os meus. Guardava-os numa parte de mim onde os pudesse ter sempre por perto. Com lápis de cor ia escrevendo mais e mais sonhos, numa espécie de lista só minha. Eram tantos. Um dia cresci, e cresci lista de sonhos.
[título original "a lista", julho de 2007

a[gostos] V

Precisava de sentir as velhas viagens de comboio. A velocidade, o barulho, aquele cheiro que só as linhas de comboio têm. A paisagem passando lenta do lado de lá do vidro que impede o calor de entrar e de me tocar o cabelo. É somente esse pequeno pormenor que me faz falta para acordar só mais um bocadinho para os dias de Verão. Essa espécie de pausa entre o tempo e os lugares que conhecemos, bem ou mal. E um menino pequenino de olhos grandes e pretos pergunta-me: "queres que te empreste o meu?", olho-lhe para as mãos, uma velha e ferrugenta locomotiva da lata pende-lhe dos dedos magros e pequenos. "Levas-me a passear nele?", perguntei-lhe eu, tentando esconder por de trás das grossas pestanas a emoção que cresce num coração a dormitar.
Sentados lado a lado lá ficamos a ver o jardim através das minúsculas janelas daquele esquecido comboio de lata. E que bem que me fez aquela viagem por esses mundos imaginados por aquela criança, que inventei ou que conheci, e que os descrevia tão bem com cores de lápis de cera!
[s/ título, agosto de 2007

a[gostos] IV

As memórias parecem fugir-me como as cabras selvagens. Poderiam ser cavalos, cavalos desses selvagens que me escapam velozes, mas não o são, são cabras. "Porquê cabras?", pergunta alguém curioso, afinal parece que a palavra fere susceptibilidades! Como cabras selvagens pois fogem-me pulando sobre outras memorias, comendo memórias ainda mais antigas, escondendo-se dentro das memórias mais recentes, dormitando e empurrando as lembranças mais queridas, fazendo com que toda a minha vida pareça miseravelmente impossível e confusa. Por vezes tento pastar essas memórias tresmalhadas por campos verdes e floridos, mas elas fogem-me pulando muros e embrenhando-se em florestas escuras e pântanos. Eu chamo-as, aceno-lhes alto com o meu cajado de pastor, mas elas correm velozes, devorando lilazes e rosas. E eu fico a vê-las ao longe fugindo-me - pois eu as amo como memórias minhas, memórias queridas que eu quero guardar para mim, que eu quero acariciar nas noites de inverno à lareira, sorrindo por tê-las a todas novamente comigo. Mas são memórias selvagens, estas minhas memórias. Selvagens como as cabras que pulam nas montanhas altas voando para lá de mim.
[titulo original "As Cabras", Julho de 2007

a[gostos] III

Quem não se sentiu já, como um daqueles leves e fúteis sacos de plástico que voam soltos ao vento? Quem não se deixou voar, de olhos fechados, dentro de um qualquer veículo que circule a velocidades proibitivas? Quem não se emocionou por motivos inexplicáveis e, que por esses mesmos motivos, se sentiu terrivelmente vivo?
Ao ouvi-lo tocar do alto da montanha, algo se quebrou. Procurei-o pelas íngremes ruas até que o avistei ao longe, numa escadaria, a tocar ao vento, a tocar para a montanha. Subi os degraus e fiquei a escutar as suas notas musicais com terrível comoção. Era como se aquelas notas fossem a chave para a libertação de tantas emoções guardadas, em malas e gavetas esquecidas, gavetas que nunca soube existirem. Ao vê-lo, de tão longe, um homem velho, cego, segurando nas mãos trémulas uma concertina que parecia suportar a sua velhice, senti com todo o meu corpo que naquele homem se concentrava a paixão pelo belo.
Senti que, adormecidas pelo tempo, as minhas emoções se haviam fossilizado, era preciso sentir e libertar tudo, só mais uma vez. E dentro de mim procurei em todos os jardins e todas as cidades aqueles que me acompanhavam em passeios sem fim pelos telhados imaginados, aqueles que nas folhas secas desenhavam estrelas, procurei, passando todas as pontes e espreitando para dentro de todos os rios os que me faziam correr, correr nas mãos e correr na mente as listas de palavras que se criam na imaginação.
Corri, corri todos os vales que havíamos inventado, espreitei dentro de todos esses copos agora vazios e não os podia encontrar em lugar nenhum. Onde poderiam estar depois de todo este tempo?
Foi naquele banco de jardim que os fui encontrar, aquele vermelho junto ao grande carvalho. Adormecidos, com os seus sapatos pousados em fila.
Queria tanto acorda-los, acorda-los e dar-lhes a mão para voltarmos a trepar telhados e luas. Mas estavam longe, e nem era dentro de mim, era nalgum lugar ainda mais distante.
Eu também sei muitas mais histórias, mas nem todas me lembram agora. Seria preciso um mapa maior que o mundo para os encontrar de novo. Se eles ainda dormem? Julgo que nem eles sabem. Mas sinto-lhes a falta, como as amoras sentem dos dedos macios.
I dont wanna say goodbey.
Can I prove my love to you?
Maybe this is the end, I hope is not the end.
[agosto de 2007

a[gostos] II

É uma espécie de carta de mim para mim e ao mesmo tempo para os que por cá andam por mim. Sentia a falta desta brecha na janela. É pequena. Mas serve para poder enfiar o nariz e sentir o cheiro das amoras; das amoras e não só, também aquele cheiro a pinho, que independentemente da altura do ano nos faz desmaiar em sonhos. Senti-me a fugir. Escondi-me aqui e ali e senti que ninguém sabia onde me encontrar. Uma estranha liberdade esta de não estar em lado nenhum e de não esperar nada de ninguém. Tive um sonho estranho entretanto, talvez deitada na erva seca. Sonhei que calçava uns sapatos brancos muito velhos. Tão velhos, que tinham já um remendo em tecido como se fosse um penso rápido (nunca lhe chamaram curitas?); um penso rápido a sarar as feridas dos velhos e gastos sapatos. O meu sonho tinha as cores das fotografias dos anos 80 (sim Esquimó, acho que foi contigo que realmente me apercebi dessas cores pastel e dessa fina camada amarelada que parece cobrir os azuis e de repente o céu é verde!), estava vestida de verde, ou seria um amarelo?, não sei já precisar, foi um sonho que já se dissolve lento na minha memoria. Voltemos ao sonho: calçava uns sapatos brancos, velhos e gastos, e estava sentada numa janela. As minhas pernas nuas reflectiam o sol, que não via directamente mas sabia que estava algures do meu lado direito. Alguém me observava as pernas e era torturado pela curiosidade de saber o que é que escondia aquele remendo do meu sapato. Com o dedo desliza pela minha pele, faz a curva do meu joelho e vai descendo até ao peito do meu pé. Focalizando toda a sua atenção no remendo começa a puxa-lo com uma curiosidade hercúlea, uma vontade gigantesca de o arrancar de uma vez. Consegue por fim. Por baixo, uma pequena e inocente mancha negra vê a luz. Fico a vê-lo olhar a pequena nódoa com alegria, com prazer. Foi um sonho estranho. Porque falar nele? Porque parece-me que por vezes queremos muito ver e tocar numa qualquer coisa que nos esteja vedada… quer seja a vida de uma pessoa, um sonho ou ate um simples e patético desejo. Quase como se tivéssemos nascido com uma tendência inata que nos faz escrutinar ao ínfimo pormenor tudo o que nos rodeia… Então, então penso… penso alto também para vos fazer ouvir… penso; porque não nos deixamos deliciar com essas coisas pequenas, tão pequenas e insignificantes como a nódoa dos meus inventados sapatos brancos? Sinto-me tonta. Deve ser do sol. Levanto-me e sacudo a erva que se agarra ao meu cabelo. Seguro nos sapatos e caminho lenta em direcção ao sol.
[título original "Primeira Carta", agosto de 2006

a[gostos] I

É o ultimo dia? Acordei com esta estranha sensação de fim... como se a ultima página do que escrevemos estivesse prestes a ser lida, e a qualquer instante, o mistério se desvendasse e saísse com vida pelas ruas da cidade de outrora. Com saudades e vontade de refazer o saco de viagem. Hoje, as coisas sem nome fazem todo o sentido. O sentido que faz a rota de um planeta que gira incessantemente à volta do sol... não me questiono, querido companheiro. Creio que acordei sem vontade de colocar questões. Hoje, a vontade, é a de ficar sentada no meio do nevoeiro a contemplar todo o céu que não vejo. Tu sabes... aquele que guia na escuridão de sermos nós. Não sei em que parte da viagem te encontras... talvez tenhas morrido numa qualquer praia, com sede, aquela sede de te deixares ir pela noite e morreres de frio... Penso que estás apenas maravilhado com o mundo. Eu ando a organizar os pedaços de alma, que sou eu, em contínuas tentativas de me encontrar numa qualquer equação! Lutando. É isso que tenho feito com as vontades do vento. Luto com elas. E a lucidez sobrenatural das imagens gela-me por dentro com arrepios intermináveis que me eriçam os pelos. Tanta magia! Talvez deva planar para lá daquilo que me fascina aqui. O mundo é grande de mais para esperar mais tempo. E sabes, todas estas viagens me fizeram sentir menos promiscua. Acredito ter-me reconciliado comigo mesma, naquela certeza infantil, de por momentos, me julgar aceite. Nos pequenos laivos de consciência que consigo guardar de mim vejo-me de novo a voar... e apesar de me sentir Ícaro, demasiado perto do sol, a vontade e a ousadia crescem-me nas veias como os fungos no pão bolorento. Não, não me sinto animada... sinto-me apenas eu de novo. Encontrei-as finalmente. As almas perdidas que como eu se encontravam naquelas noites intermináveis, no café do monte, aquele que amamos, onde apesar de não haver lareira acesa nas noites de Inverno, nos sentíamos terrivelmente em casa. Confortáveis no silêncio das conversas que queríamos desesperadamente ter sem pensarmos nas diferenças que nos uniam de forma hercúlea, ali. Encontrei-as de olhos fechados dormindo e sonhando. A vontade de as contemplar sem me preocupar com o tempo invadiu-me a alma. Mas as malas estavam prontas e era hora de partir, mais uma vez, rumo ao infinito, sem limite... E anseio que um estranho, perdido nas ruas, um dia ouse perguntar:
What is you're story?
[título original "Magna Viagem", agosto de 2005]

Yer Kids

what a foolish thing i've done, to lose the only one. what a foolish thing i've done, to lose the only one who really knows me at all, who really knows me at all. well, i lied and i cheated and i died and i quit. and i tried to be good but wasn't very good at it. and i lost at this game of life. well, i lost at this game of life. well, i made promises and i broke 'em. and second chances, well, i smoked 'em. and all those songs that i sung, well, now i know they were wrong. and now i'm taking them all back. well, i'm taking them all back. well, my life, it's a lie. this life, it's a lie. my life, it's a lie. this life, it's a lie. and now we're saying goodbye and now we're saying goodbye. well, i don't wanna say goodbye. well, i wish there was something i could do to prove my love to you. maybe this is the end. well, i hope it's not the end.
Julie