a[gostos] IV

As memórias parecem fugir-me como as cabras selvagens. Poderiam ser cavalos, cavalos desses selvagens que me escapam velozes, mas não o são, são cabras. "Porquê cabras?", pergunta alguém curioso, afinal parece que a palavra fere susceptibilidades! Como cabras selvagens pois fogem-me pulando sobre outras memorias, comendo memórias ainda mais antigas, escondendo-se dentro das memórias mais recentes, dormitando e empurrando as lembranças mais queridas, fazendo com que toda a minha vida pareça miseravelmente impossível e confusa. Por vezes tento pastar essas memórias tresmalhadas por campos verdes e floridos, mas elas fogem-me pulando muros e embrenhando-se em florestas escuras e pântanos. Eu chamo-as, aceno-lhes alto com o meu cajado de pastor, mas elas correm velozes, devorando lilazes e rosas. E eu fico a vê-las ao longe fugindo-me - pois eu as amo como memórias minhas, memórias queridas que eu quero guardar para mim, que eu quero acariciar nas noites de inverno à lareira, sorrindo por tê-las a todas novamente comigo. Mas são memórias selvagens, estas minhas memórias. Selvagens como as cabras que pulam nas montanhas altas voando para lá de mim.
[titulo original "As Cabras", Julho de 2007

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