pensamento violento numa tarde vazia de sol e humor

Sim, é verdade, queria não fazer nada, assim o fazer nada resumia-se ao pensar, actividade que constantemente pratico mas que é constantemente esquecida. O não fazer nada permitiria a mim mesma a paz de fazer somente uma coisa e não duas, ou mais. O não fazer nada dói-me como os joanetes a um velho. Se o meu nome fosse YeKaterinna, nascida e criada na Rússia, pensaria na ordem pela qual teria de limpar as casas amanhã. YeKaterinna, criada pela avó, violada pelo tio, vendida e revendida pelos bordéis europeus até aos 28, abandonada em Sevilha aos 31, 2 abortos, 7 países, espancada e só.

Pensar nas casas a limpar no dia seguinte parece-me bem.

as árvores sabem cantar

Ainda tenho uma carteira grande onde posso guardar garrafas de vinho verde. Vamos comprar? O parque deve estar vazio a esta hora, pomos musica a tocar e dançamos com a garrafa na mão, dançamos aquela música que fala sobre árvores que voam.

Sinto falta desses momentos em que nos deixávamos ir sem pensar nas consequências, o tempo era uma mentira e nós éramos deuses capazes de mudar o mundo. Eu acreditava em mim. Eu acreditava naqueles beijos na boca, todos eles.
Depois corríamos e rebolávamos na relva húmida pelo orvalho. As estrelas multiplicavam-se porque nós assim o queríamos, queríamos mais estrelas, mais céu, mais sentimento.
A todos esses momentos, eu dedico esta dança tresloucada de sábado à noite.

não importa quem és

Como companhia, tenho uma chávena de chá e um CD de 2006 que toca repetidamente. Hoje as cores acordaram mais esbatidas, e eu preciso delas no pico da sua concentração. Preciso sentir que afinal o frio do inverno já se sente nos dedos das mãos... também eu o consigo sentir. Não passo de uma criança com um caderno rabiscado, cheio de listas de sonhos que ora quero ora esqueço, às vezes, quando a revejo, alguns desses sonhos já se concretizaram, outros morreram antes de nascer - sonho morto a 21 de Novembro por falta de amor. Preciso daqueles momentos em que danço sozinha na semi-escuridão de umas belas noites solitárias. Hoje fí-lo na banheira enquanto a água corria quente, o público? Um gato e muitas outras partes de mim, partes sorridentes por saírem um bocadinho cá para fora.É preciso arrumar a minha cabeça para finalmente começar a fazer alguma coisa da minha vida, coisas fantásticas e verdes, como árvores plantadas na Primavera. A cultivar uma pequena história, Olenka, a personagem que imagino na minha cabeça, veio viver para Portugal este ano... Ah, o mundo inteiro é um carrossel. Hoje, quero andar no cavalo, amanhã, amanhã talvez opte pela chávena. No meu íntimo, estás do lado de fora a fazer girar a minha chávena para que tudo se torne mais emocionante. O chá persegue-me, e as recordações boas também. Espero que eles saibam que tenho saudades.

coisas de sexta

Também eu preciso de arrumar a minha cabeça. De dentro para fora. Ah, eu só queria ser pequenina para poder não pensar em coisas de adulto. Sonhar nos intervalos dos desenhos animados e brincar com bonecos até adormecer.

pois

eu queria escrever mas o gato não deixa...

pensamentos de loucura

Foi já vestida de branco que todas as dúvidas a assolaram. Estaria a seguir o caminho que sonhara para si? Era, aquela rapariga assustada com sombra rosa que via reflectida no espelho, a mulher que sonhara ser? Haveria algures lugares mais fantásticos, pessoas mais interessantes, vidas mais fascinantes que aquela que estava a viver no seu quarto de adolescente? Depois de comer mais um croquete quentinho pegou no seu saco de viagem e mascarada de freira saiu do hospital sem haver perguntas, ainda não sabia bem porquê, mas a fome tinha passado e o céu azul prometia sol. Não havia nada a temer.

Constatação nº 1002

Lá no fundo, não passo de uma menina pequenina que gosta de pérolas e brincos de plástico.

"Mãe, mãe, depois compras-me? Hoje não, hoje não, mas depois..."

MENSAGEM ANÓNIMA NUM GUARDANAPO DE PAPEL

Ainda que me ames, há dias em que me sinto como o Salomão. Ainda que me ames, parece que me queres mandar para longe.

que bom que era, ò andorinha, na primavera também voar (ah, aquela guitarra)

Hoje, enquanto fazia o meu percurso diário para a pé, usando os meus novos brincos de menina de sonhos, pensei no que é de facto o amor, será a ilusão de acreditarmos que aquela pessoa é a que sonhamos a vida inteira, ainda que não totalmente a dos sonhos?

Pensava que, em todas as relações há um momento de silêncio entre as duas pessoas, aquele momento em que pensamos "serás tu o tal?". Será que acreditamos mesmo nisso?
E aquela busca eterna, a tentava de descobrir quem é quem?

Aquele copo de vinho que me foi oferecido depois de me resgatarem a uma noite aborrecida de revistas e filmes, aquele copo fez-me perceber que de facto as pessoas não podem ser tudo quilo que gostaríamos que fossem, ainda assim, há nelas coisas que precisamos para nos complementarem os dias de sol. Pensando em todas as pessoas da minha vida, amigos, paixões, o amor... não trocava nada deles por um ser perfeito.

Não sei bem que texto é este, não costumo escrever sobre estas coisas. Acho que... acho que é um delírio de café.

eu sei lá bem

Fartíssima

íssima

íssima

Quem, onde, quando e como? Matem todas as perguntas, são para mim as respostas todas. Estas, as de amanhã e ainda as de ontem. Aqui ou ali, ninguém o sabe, nem tu. Amo as pessoas, odeio as pessoas, não as compreendo, não as beijo, não as vejo. Quem são?

Tu, eu, o que interessa?
Os mexericos, os comentários, quem, como onde e quando?

Fartíssima

íssima

íssima

Eu queria saber..?

Na realidade eu só queria saber se era normal chegar a casa, beber chá e estender-me com uma manta a ler ou a escrever, não é pois não?

feeling goooooooooooooooood

Quero umas galochas brilhantes, vermelho cereja. O meu guarda-chuva transparente para sair de casa a ouvir musicas dos sessenta e passear junto a um jardim relvado. Comprar um gelado e continuar o meu passeio até chegar a um parque com muitas árvores verdes e um pequeno rio com pontes que o atravessam demasiadas vezes.

Quero uma casa de chá com bules redondos de todas as cores possíveis e imagináveis, beber chá de menta com rosa e comer bolachas de manteiga, daquelas bem enroladas que sabem tão bem quando está frio. Quero o meu livro do Saramago e ler mais um capítulo enquanto espero por ti.

Tu vens com as tuas calças à boca de sino azuis escuras e uma camisola de gola alta cor-de-laranja. Um casaco peludo (sexy!) e entras na Casa de Chá para me encontrares muito apaixonada no meu mini dress preto e branco.

Bah... rimos de tudo e inventamos uns cavalos com os quais fugimos para o Oeste, e aí, sacamos das nossas pistolas de água e vamos roubar alguns bancos!

Quem sabe depois não iremos para as Bahamas.

James?
Sim Bonny?
Não devias ser Clyde?
E tu? Não era suposto seres Girl?

"I love you more"

Contos contados com contas dos colares da Constança

Albertina era uma mulher solitária. Não casara aos 17 pois Joaquim, seu grande amor, fugira para as Américas deixando-a desgraçada e sem noivo. Seu pai, bêbado de profissão, espancava-a sempre que podia, para a lembrar quem era a vergonha e a desgraça da família. A mãe, Maria da Luz, encolhia as lágrimas por amor à filha.

Albertina trabalhava com a mãe a arranjar bainhas e a alargar os vestidos das senhoras de bem que iam acumulando quilos de boa vida. Gorduras suaves e macias de bancos de veludo.

Era a filha mais nova de uma linhagem de desgraçadas. Amélia, a mais velha, casada com um funcionário público, mulher reservada e assustada, vivia para o seu filho obeso, único amor que conheceu na vida.
Adelaide, a do meio, casou-se com o filho de um empreiteiro bem sucedido, diz-se que construía prédios lá para as bandas da Moita, homem rico que poucas importâncias dava à família da desgraçada com quem casara. Dizem as más línguas que gostava de boates e de raparigas brasileiras de perna ao léu, mas é o que o povo praí diz.

Albertina já não se importava com o seu futuro, o amor fora uma ratoeira, não queria mais desses queijos, ela nem gostava desses produtos lácteos, digeria-os mal.

O pai morreu-se-lhe aos 21, um alivio para o corpo macerado. Como herança, herdou a mãe já cansada da vida e o estaminé dos copos de vinho que o seu pai geria, uma pequena taberna antiga onde os desempregados despejavam as poucas moedas que ainda tinham nos bolsos.
Um par de dias depois do velório já Albertina servia copos, 21 anos de desamores a fritar bolinhos de bacalhau sob os olhares lascivos que iam ficando pousados nas mesas tarde adentro, na esperança de a conseguirem também papar.

Foi com o consentimento da mãe, que concordava que aquilo não era futuro para uma mulher sem homem, que Albertina mudou o ramo do estaminé, cansada dos galanteios dos avôs do bairro, investiu o dinheiro das madames e abriu uma mercearia à qual chamou "Flor do Mar". Lera uma vez um poema sobre uma flor que nascia debaixo de água e que salvava os peixes pequeninos de serem devorados pelos graúdos. Para Albertina, a sua "Flor do Mar" era a mercearia, onde ela poderia ser salva.

Aos 35 anos, sua mãe morria de doença prolongada, suas irmãs, pouco sabia delas, e mesmo depois de mandar instalar os telefones na mercearia, raramente se falavam. Cresceu com a rua, com as famílias de cá para lá na sua azáfama citadina, encantou gerações de crianças com os seus mágicos rebuçados que lhes enfiava nos bolsos às escondidas das mães.

Os anos passaram por Albertina sem lhe roubarem as faces rosadas de menina, os olhos amendoados da cor das azeitonas, as poucas rugas na sua pele aveludada de avó sem netos, reforçam o seu ar de menina eterna. Ainda hoje, quando entro no "Flor do Mar", sinto que ali, no meio das alfaces e das bananas da Madeira, ali se pode ser um bocadinho mais feliz.

Eu sei...

Agora me recordo de como era o mundo antigamente.

As noites longas, o rádio sempre a tocar qualquer coisa, mesmo quando tinha muito sono. A janela, entreaberta, deixava entrar o lusco-fusco do amanhecer, e eu lutava por manter os meus olhos bem abertos para ver o sol a acordar, mas nunca conseguia, ao primeiro raio já eu dormia.

Saudades desse sol que acordava com o miar dos gatos. Saudades da calçada e do velho autocarro amarelo que me levava a todo o lado, mesmo quando estava atrasado. Gostava dos cigarros clandestinos fumados debruçada na janela. A lua, cúmplice de todas as mentiras, espreitava do outro lado das nuvens.

Já não tenho desses cigarros, já não existem essas janelas da minha memória. Agora tenho o mar azul e a areia de búzios. Os barcos cansados que pousam asas no horizonte e as gaivotas que se recusam a parar de voar.

Há em mim um pequeno floco de gelo que não derrete. As montanhas, as suas gentes. Já não sei porque fiquei longe. Eu sei quem sou.

Diz-me como é, como é quando sonhas?

Vamos brincar, só mais uma vez!
Eu sempre gostei muito do Romeu e da Julieta. Desta vez achas que eu posso ser o Romeu?
Fazemos assim, eu vou trepar pela tua janela e acordar-te com um sorriso. Tu acordas ensonado sem perceber que sou eu que estou de volta, eu, a subir pela tua janela. Comigo levo uma bola de espelhos antiga que vamos utilizar para dançar músicas indianas.
Imaginamos que somos actores e fazemos o nosso musical, até pudemos dançar no telhado daquela vizinha irritante que nos beliscava os pés quando íamos ver a lua depois de jantar.

Se te apetecer vamos até ao rio e fazemos barquinhos das folhas de Outono, cada um com um tripulante secreto que irá a navegar até ao Oceano, e quem sabe encontre a nossa ilha dos sonhos.

Não temos nenhuma? Tens razão, mas passamos a ter! O nosso pequeno pirata irá encontrá-la para nós! Temos esse pequeno segundo antes do acordar para podermos ser o que queremos.

Não acordes já, vamos ficar aqui mais um bocadinho, neste intervalo entre as palavras que ninguém sabe bem o que dizem, mas que guardam tantas e tantas histórias velhas que querem ser contadas. Eu conto-te histórias para continuares a dormir, para eu poder ficar mais um pouco no teu sono, eu e a minha bola de espelhos que continua a girar! Agora... agora... talvez o velho da guitarra toque para nós e eu continue a embalar-te para que sonhes. Os dias são a noite, e as noites são de dia.

Talvez acorde contigo.
Quem sabe o que poderá acontecer se fecharmos os olhos!

despir

Hoje quero despir-me essas preocupações mundanas e irritantes. Quero somente sentar-me num banco de jardim e não pensar em mais nada. Ter uma caneta azul na mão e escrever todas as coisas que me vierem à cabeça sem me preocupar com os erros ortográficos e a sensação de estar constantemente a falhar. A verdade é que qualquer miúda de 14 anos escreve mais do que eu, e depois? "querido diário, estou muito feliz, comprei as calças que tanto queria. O a. agora vai reparar em mim, finalmente estou igual a todas as outras miudas do liceu" Não quero mais uma felicidade alcoólica que me adormece os sentidos e me impede de viver as coisas como realmente são. Não mais esse jogo perigoso de fingir que se vive. Estes dias quentes de Outubro fazem-me sorrir. Pudesse eu escrever sempre as coisas que me vêem à cabeça antes de chegarem todos os medos. Pudesse eu ficar-me pelas histórias, esse momento mágico antes de todas as coisas mundanas me afogarem em medos e me despirem das minhas canetas. A caneta é a minha boca, sem ela nada sei dizer. Tragam os vossos alfinetes e espetem-nos no meu coração, quero saber se ainda sinto.