Contos contados com contas dos colares da Constança

Albertina era uma mulher solitária. Não casara aos 17 pois Joaquim, seu grande amor, fugira para as Américas deixando-a desgraçada e sem noivo. Seu pai, bêbado de profissão, espancava-a sempre que podia, para a lembrar quem era a vergonha e a desgraça da família. A mãe, Maria da Luz, encolhia as lágrimas por amor à filha.

Albertina trabalhava com a mãe a arranjar bainhas e a alargar os vestidos das senhoras de bem que iam acumulando quilos de boa vida. Gorduras suaves e macias de bancos de veludo.

Era a filha mais nova de uma linhagem de desgraçadas. Amélia, a mais velha, casada com um funcionário público, mulher reservada e assustada, vivia para o seu filho obeso, único amor que conheceu na vida.
Adelaide, a do meio, casou-se com o filho de um empreiteiro bem sucedido, diz-se que construía prédios lá para as bandas da Moita, homem rico que poucas importâncias dava à família da desgraçada com quem casara. Dizem as más línguas que gostava de boates e de raparigas brasileiras de perna ao léu, mas é o que o povo praí diz.

Albertina já não se importava com o seu futuro, o amor fora uma ratoeira, não queria mais desses queijos, ela nem gostava desses produtos lácteos, digeria-os mal.

O pai morreu-se-lhe aos 21, um alivio para o corpo macerado. Como herança, herdou a mãe já cansada da vida e o estaminé dos copos de vinho que o seu pai geria, uma pequena taberna antiga onde os desempregados despejavam as poucas moedas que ainda tinham nos bolsos.
Um par de dias depois do velório já Albertina servia copos, 21 anos de desamores a fritar bolinhos de bacalhau sob os olhares lascivos que iam ficando pousados nas mesas tarde adentro, na esperança de a conseguirem também papar.

Foi com o consentimento da mãe, que concordava que aquilo não era futuro para uma mulher sem homem, que Albertina mudou o ramo do estaminé, cansada dos galanteios dos avôs do bairro, investiu o dinheiro das madames e abriu uma mercearia à qual chamou "Flor do Mar". Lera uma vez um poema sobre uma flor que nascia debaixo de água e que salvava os peixes pequeninos de serem devorados pelos graúdos. Para Albertina, a sua "Flor do Mar" era a mercearia, onde ela poderia ser salva.

Aos 35 anos, sua mãe morria de doença prolongada, suas irmãs, pouco sabia delas, e mesmo depois de mandar instalar os telefones na mercearia, raramente se falavam. Cresceu com a rua, com as famílias de cá para lá na sua azáfama citadina, encantou gerações de crianças com os seus mágicos rebuçados que lhes enfiava nos bolsos às escondidas das mães.

Os anos passaram por Albertina sem lhe roubarem as faces rosadas de menina, os olhos amendoados da cor das azeitonas, as poucas rugas na sua pele aveludada de avó sem netos, reforçam o seu ar de menina eterna. Ainda hoje, quando entro no "Flor do Mar", sinto que ali, no meio das alfaces e das bananas da Madeira, ali se pode ser um bocadinho mais feliz.

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