Agora me recordo de como era o mundo antigamente.
As noites longas, o rádio sempre a tocar qualquer coisa, mesmo quando tinha muito sono. A janela, entreaberta, deixava entrar o lusco-fusco do amanhecer, e eu lutava por manter os meus olhos bem abertos para ver o sol a acordar, mas nunca conseguia, ao primeiro raio já eu dormia.
Saudades desse sol que acordava com o miar dos gatos. Saudades da calçada e do velho autocarro amarelo que me levava a todo o lado, mesmo quando estava atrasado. Gostava dos cigarros clandestinos fumados debruçada na janela. A lua, cúmplice de todas as mentiras, espreitava do outro lado das nuvens.
Já não tenho desses cigarros, já não existem essas janelas da minha memória. Agora tenho o mar azul e a areia de búzios. Os barcos cansados que pousam asas no horizonte e as gaivotas que se recusam a parar de voar.
Há em mim um pequeno floco de gelo que não derrete. As montanhas, as suas gentes.
Já não sei porque fiquei longe. Eu sei quem sou.
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