para ti, sem censura

vamos foder?

contado, ninguém acredita

Os meus casacos de Inverno estão zangados comigo. Eu não me tinha apercebido de nada pois tinha-os guardados no armário com a porta entreaberta. Hoje, porém, apercebi-me de tudo. Era uma zaragata pegada quando a porta se abriu: a Sra. Gabardina Amarela enroscou-se de tal forma em torno do Mangas de Três Quartos Roxo que este, coitadinho, estava todo enrugado que parecia que tinha envelhecido uns bons anos, sacudi-lhe o lombo mas ele até me pareceu pálido. O seu primo, o Sr. Três Quartos de Lã tentava sufocar o Casaco Preto, como se não quisesse que eu o visse. Coloquei-os em cabides diferentes que eu não gosto destas confusões. O Casaco de Pele fugiu para a sala e atirou-se para cima do sofá numa lamuria que só visto, até os gatos se admiraram (ele costuma ser tão pomposo). O Casaco Cinzento, ancião, encostou-se ao fundo do armário e virou-me as costas, recusou-se a falar comigo, mesmo quando lhe pedi que interviesse e me ajudasse a resolver aquele festim de tecidos revoltados. Quando tudo se endireitou, cada um no seu cabide, lá percebi o que se passava: estavam todos com ciúmes do meu Casaco Novo. O meu Casaco Novo está a viver connosco à 2 meses, e como tal, para o ambientar à nova família, usei-o diariamente, e todos os outros casacos ficaram muito revoltados pois achavam que já ninguém os iria usar este Inverno. Tive de prometer que repartiria com todos estes dias de frio. Uma coisa é certa, não volto a sair de casa com a porta do armário entreaberta - pior que os dias frios são os casacos a fazer birras.

quatro linhas semi-pensadas

Para que servem as palavras se não sabemos o que fazer com elas? Para quê falar, escrever? Não dizemos nada. O Silêncio é o grande senhor da verdade. É coerente, sincero, pensa sempre naquilo que sente. Não se precipita numa diarreia sem sentido, não cai em armadilhas ardilosas de terceiros. Eu gosto do meu silêncio. Conversamos muitas vezes sobre as coisas triviais (quem sabe sobre formigas que caem dentro de frascos de compota) e discutimos também as grandes questões da vida, o sentido das coisas. Pudesse eu guardar nalgum lugar esses devaneios nocturnos ou matinais e seria rica - um conhecimento de mim própria sem fim - mas essas conversas têm tendência de se evaporar com o barulho da vida e eu fico sem saber nada, não guardo esse conhecimento gerado na minha cabeça e, geralmente, caio no erro de abrir a boca e falar de mais.

um dois três, escreve lá outra vez

As pessoas que ela conhecia estavam sempre zangadas, por isso ela queria ir embora. Não era o facto do seu coração estar partido, eram apenas as pessoas e a sua crueldade. Partiu numa manhã invernosa. Apanhou dois comboios até chegar ao navio que a levaria para o outro lado do mundo. Quando se preparava para deixar atrás de si toda aquela gente, viu ao longe alguém a correr acenando com os dois braços. Também gostaria que se despedissem dela daquela forma, pensou, mas todas as pessoas zangadas da sua vida estavam demasiado ocupadas a serem zangadas e não se aperceberam das mudanças subtis na pobre rapariga. Agora já era tarde. A pesada ancora tinha sido recolhida e aquela gigante pedra de ferro afastava-se da doca para a levar à sua nova vida. Um vida com pessoas novas, cores novas e corações novos também, naquele momento em que viu a terra ser engolida pelo mar um peso voou em direcção ao infinito - era livre de todas as zangas do mundo.

patetices

A mãe guardava tantos sentimentos reprimidos que quando morreu não conseguiam fechar o caixão de tão grande que ela estava.

Lets fly!!!

Blackbird singing in the dead of night
Take these broken wings and learn to fly
All your life
you were only waiting for this moment to be free

anotação

Estou presa a esse momento que nunca aconteceu. É universal, acontece. Tudo aquilo que não conseguimos acabar vai-nos comendo por dentro porque ficamos a desejá-lo para sempre. Quero abrir a janela do meu quarto enquanto durmo. Quero aquela inocência infantil que se perdeu... perdeu-se e não sei onde a encontrar.

give me a reason to love you / I'll give you a reason to love me

Não me esqueci. Há dias que ainda me lembro de ti. Não queria, mas as memórias são como as marés, vão e vêm, e estes dias de chuva parecem trazer neles momentos esquecidos. Penso nos silêncios, sinto falta desse silêncio tão cheio que havia entre nós, pudesse eu agora estar num desses lugares do passado, uma música qualquer no rádio, a noite já quase no fim. Sinto que um sonho morreu. Não me perguntes qual, sinto apenas que nada mais poderá ser aquilo que foi. Costumava escrever umas cartas estranhas sobre uma pessoa que estava perdida no mundo, viajando sem saber para onde ou de onde, hoje sinto que esse personagem sou eu, quero ter a mala pronta e partir, algures ficou esse plano que eu tinha desenhado para o futuro, agora tenho lápis e folhas brancas e nada que desenhar, não há planos alternativos. Eu não sabia naquela noite, aquela em que eu queria muito que tu fosses a pessoa para o resto da minha vida, que estávamos condenados. Há um cinzento escuro a toldar-me a visão. Talvez seja só este tempo a pregar partidas mas existe esta tristeza, existe.

regresso aos guardanapos de papel

Há um certo incómodo no acordar.
Como se as manhãs não devessem existir e a aurora fosse o crime perfeito para o fingimento.
Guardam-se as tristezas e as desilusões na gaveta do pijama e vestem-se sentimentos que não se sentem.
Pintam-se no rosto os sorrisos suficientes para atravessar o dia na margem de se se reconhecido como um morto vivo.
As manhã são uma mentira,
uma promessa de sol que não aquece,
uma luz que não ilumina, uma alegria que não se sente.
Apenas o mar não mente, vestido de cinzento,
mostra sempre aquilo que sente.