Auto-Retrato | há um grito que se quer soltar


Nada funciona neste mundo de loucos? Onde esconderam o sol? Porque calaram o mar? E o barulho das árvores? Ninguém diz nada!? O silêncio é universal e sinto-me como aquele cão moribundo recordando a sua juventude junto da figueira. Porque me fogem as palavras, porque se escondem, malditas, por entre as linhas de uma caneta que não sabe desenhar? Encontro-me. Encontro-me. Encontra-me. Dedos que querem gritar, dedos que gemem de dor de silêncio de ódio, dedos que querem escrever, dedos que querem devorar palavras. Significados? Só este nó no estômago, esta pedra. Onde deixas-te o sol, onde?
Quem diria, que pode haver poetas, sem poesia...

na mesa da esquerda, ao lado da janela grande

Tentei em vão encontrar a velha satisfação de me perder nos lugares e me deixar levar pelo apetite materialista. Em vão...
Coisas dessas pouco ou nada me satisfazem hoje em dia. Saudade daquelas palavras inflamadas tão cheias de cor, os delírios nocturnos em que me imaginava com asas, capaz de viver - assim, como ser alado - num mundo de lagartas gordas como vacas. Entristece-me o facto das coisas materiais pouco poderem fazer por mim, terei de me virar para lá das estrelas, buscando essa satisfação imediata, o antídoto para este ácido que corroi por me sentir, sempre e cada vez mais longe.
Talvez também eu tenha nascido com um coração de pássaro, daqueles que batem demasiado depressa.
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Sinto que me morro a cada encontro, a cada momento consciente de que - para mim - um pouco de tudo acabou.
A comida chegou. Paro para mergulhar num dos actos humanos que mais aprecio*.
*A seguir ao sexo, claro está.

a lua caíu na terra (por terminar)

Toda a gente sabe que foi naquele sábado quente de Junho. Saíu em todos os jornais, até aquele da Moita que ninguém lê. Mas eu estava lá, eu sei a história toda. - Mas ò Ti'maria, conte lá melhor que eu ouvi dizer mas não se me entra na cabeça que isso se tenha passado como ouvi dizer. Ò mulher de Deus, que a mim quaise que se me parou o coraçãozinho que Deuz me deu com aquela história. Estava eu a passar a minha combinçaõ azul-escura, a que comprei para as minhas idas ao médico - é que desde que o meu Antero morreu, nunca, nunca mais usei um trapinho de cor viva, roubada seja a minha alma pelo demos e eu aqui estiver a mentir - ora, estava a passá-la por uma águinha para não cheirar a naftalina, é que uma vez o diabo do médico, novo, da idade do pirralho da Alberta, ralhou-me por lhe cheirar a naftalina... já não há respeito nenhum pelas velhas. Bem, estava eu a passá-la por uma aguinha quando oiço um estrondo, um Sr. estrondo, enorme como se fosse uma bomba, eu sei lá, eu pensei que o mundo ía acabar, agarrei logo no meu terço, qu'isto de viver no século XXI parece-me que não será para muito mais tempo... - Mas e depois, e depois... Depois o céu começou a escurecer, como se o fogo do sol se tivesse apagado todo.

my sunny song today

Limb by limb and tooth by tooth
Tearing up inside of me.
Everyday, everyhour, wish that I was..
Was bullet proof

Wax me, mould me
Heat the pins and stab them in.
You have turned me into this, just wish that it..
Was bullet proof
So pay me money, and take a shot
Lead fill the hole in me.
I could burst a million bubbles, all surrogate..
and bullet proof
Bullet proof

Radiohead

Tralhas

Hoje é dia de birra. É dia de atirar com as coisas ao chão, dia para escrever textos em francês - mesmo não tendo capacidade para tal - é dia de riscar folhas de jornal e de comer pápa, dia de dar erros ortográficos e dizer "não quero, não quero, não quero". "Corrige os erros Maria." "Não, não e não." É dia de faltar às aulas. Fugir de casa. Comprar gomas e ir comê-las na praia. É dia de rasgar jornais e esconder os comandos da televisão. Hoje é dia para rasgar todas as minhas roupas e a seguir chorar - afinal eu sou uma rapariguinha que perde 5min por dia a mirar-se ao espelho. Sinto-me perdida numa feira popular gigante. Uma menina birrenta com lágrimas de crocodilo a lamber um pau quase vazio de algodão doce. E ao olhar para o céu, as nuvens garantem-me mais uma vez que hoje é mesmo dia de birra. Tudo tem um significado, mas eu não percebo qual é o destes dias cinzentos. Queria muito ter sol. Queria muito não ter de aprender a tabuada e de poder passar os dias a fazer desenhos com giz num quadro negro. Desenhava todas as minhas birras lá e depois apagava-as. Desenhava todas as nuvens cinzentas e a seguir... apagava-as. Dás-me um apagador mágico? Oh, leva-me a passear no jardim então. Se preferires diz só que gostas de mim e pega-me ao colo. Está mesmo na hora de ir dormir. O meu coração está tão cheio com estas tralhas que sempre que bate todas as bicicletas do mundo começam a fazer um barulho esquisito.