ares da montanha III (sem acentos)

O tempo e meu. Eu sou o tempo que quiser. Decido o que fazer com ele, quando me apetece. Posso usa-lo para cheirar flores, para fazer ou nao fazer o que quer que seja, eu controlo os ponteiros, somente eu.
Sou os segundos.
Frenetica, intensa, apaixonada e voluvel, louca instavel. Mudo de ideias de repente sem avisar ninguem, rebento em gargalhadas cortantes depois de lagrimas gordas terem rolado. Sou livre para me deixar passar pela vida das pessoas e nao me prender, namoriscar cada numero do relogio, roubar beijos, criar sonhos num segundo, uma vida inteira no momento.
Sou os minutos.
Elegante. Contida, controladora. Faco listas e bebo os cafes nos tempos certos. Coerencia verbal, coerencia fisica. Sou acertiva, cruel, cortante, recta, segura. Sei o que fazer no minuto certo.
Sou as horas.
Aproveito o sol, o dia. Fecho os olhos e durmo na relva. Ouco os passaros. Observo os ramos que se movem com o batucar do vento. Cheiro o aroma do mar que viajou ate a minha janela. Choro emocionada com a danca dos raios de luz furtivos que escapam entre as cortinas. Devoro livros e bebo poesia.Sou as horas e absorvo tudo com eloquencia, sabedoria e calma.

ares da montanha II (sem acentos)

A mulher, sozinha, chorava
Tinha medo da montanha e do escuro
Vestia-se de folhas e gemia de frio
Chorava de noite e ria durante o dia.
A mulher vivia sozinha e nao sabia falar,
A mulher era um monstro em cima do altar.
A mulher nao sabia nada do mundo
Mas fazia-o rodar em cima do seu dedo polegar
Comia bagas e bebia do rio sem conseguir apaziguar
A sede que queria matar.
A mulher era grande, com um sorriso rasgado
Que nao conseguia guardar.
A mulher gostava de homens, ainda assim
Nao sabia amar. A mulher
era uma virgem gigante sem lugar para descansar.

ares da montanha (sem acentos)

Havia um homem que viajava de mota.
Viajava sem parar dias a fio, nem a chuva o demovia.
Fugia do passado, da vida do dia-a-dia. Julgava, dizem,
que a viagem lhe traria a saudade, mas quanto mais viajava
menos sentia sobre as coisas que deixara ficar, na esperanca
de as vir a recuperar. O homem perdeu-se na sua procura.
As barbas cresceram, o tempo passou e ele jamais se encontrou.

sem acentos, sem poiso, aves que voam sem parar

Ha de facto um grito que se quer soltar. Nao vamos nega-lo.
Ele esta vivo e quer sair, quer ecoar contra as rochas da montanha, quer despenhar-se desses precipicios sem fim, rebolar abismo adentro e morrer no horizonte.
Ha sonhos que querem nascer, como as folhas dos fetos. Pisamo-los e eles resistem, esmagamo-los e eles sobrevivem. Nao sabemos o que fazer com eles, sonhos e gritos misturam-se, confundem-se, diluem-se na chuva mas nunca desaparecem. Ha sentimentos que querem morrer mas nao deixamos, queremo-los so para nos, ainda que velhos e moribundos - os amores de Verao, as paixoes de infancia.
Ninguem se importa, deixemo-nos ir, qual avalanche, desfazendo tudo a nossa passagem, destruindo tudo e todos ate nao restar nada, apenas gritos no vazio.

Pandora

Não são apenas palavras, estas fazem sentido.
Aqui vou eu, para mais um mergulho na caixa das emoções.

Vou de férias

até já.
até breve.
até sempre.

cabeça de sobrancelha

cabeça de anormal
cabeça de roupa feia
cabeça de pessoa estúpida

enfim...
escárnio e mal dizer é fácil da gente fazer

A Ru na India - 5 dias

dias

Estou com vontade de sair daqui, vaguear... quero somente vaguear rua fora.
Vou ao café, vou ao café matar esta cabeça de enguia.

Biografia - fragmentos

Cresci numa casa cheia de silêncio. Herdei, de pai e mãe, os olhos que querem ver tudo e a boca pequena que não gosta de falar, boca que não sabe falar. Cresci numa casa cheia de histórias. A mãe trabalhava com as suas mãos sem parar e, sempre a trabalhar, tecia os dias, inventando tarefas para enganar a louca solidão dos anos de reclusão. Mãos que nunca paravam para abraçar. Houve um Inverno, quando as minhas pernas já sabiam andar, que me adormeci no seu quente abraço, respirando aquele cheiro de mãe, respirando o amor.
Eu cresci e a casa foi crescendo também, mais quartos, cozinhas, salas, mais silêncio, mais solidão, mais mãos ocupadas para não darem lugar ao carinho.

ninguém volta ao que já deixou

- A menina não fala?
- Fala, mas só quando quer.

to awake is to kill a dream

Hoje pensei em ti. Nem sempre o faço, a roda da vida distrai-nos com muitas imagens, os sons roubam-nos os pensamentos e, as filas no supermercado não sendo maiores com o passar do tempo. Hoje pensei em ti e lembrei-me da simplicidade do Verão quando vivíamos juntas. As janelas escancaradas para a rua, a rua escancarada para nós, mostrando-nos os passos dos vizinhos que olhavam de soslaio o candeeiro do quarto. Lembrei-me das conversas, das gargalhadas e de adormecermos juntas, éramos como verdadeiras irmãs - de sangue. Havia aquela ligação que vai para lá do compreensível, havia os segredos, a partilha de sonhos e de medos. Hoje pensei em ti e esse pensamento vinha revestido de uma saudade que desconhecia. Era como se tudo tivesse acontecido há tanto tempo que a memória se desbota já, como as camisolas favoritas quando lavadas muitas vezes. Saudades tuas, Sarita.

O sol deste Verão sabe a saudade...

Há dias em que o tempo parece ter desaparecido. Há dias em que parece não termos vivido o suficiente para o tempo ter voado desta maneira.

Há uma menina que vai viajar... that girl is like a wild horse, man! A wild horse...

21 dias
21 sonhos, 21 mundos
É verdade, a India está no meu coração e, o meu coração está na India.

Delhi - Amritsar - Dharamshala - Mandi - Rewalsar - Manali - Naggar - Shimla - Jaipur - Agra - Gaya - Varanasi - Delhi