Era cedo, cedo nos meus dias. O céu estava cinzento e eu não queria ouvir o mundo. Puxei de um cigarro. Na realidade não puxei, penso que puxei, puxei um cigarro e fumei-o diante de uma bica quente (a bica não existia, somente nos meus delírios e papilas gustativas). As cores não me feriam os olhos porque não havia cores, só ruas com nomes de gente. Gente que eu não conheço, nem às ruas. Admiro-me com as poucas coisas que sei... deveria aprender os nomes daquelas ruas. Eram só ruas, aquilo que são, sem grandes significados escondidos dentro delas. E depois vinham aqueles sorrisos, aqueles que nada iluminam dentro de mim, aqueles que me vão corroendo por dentro por não serem sorrisos. São bocas, bocas grotescas com dentes e batons de cores garridas, cores que não existem porque afinal o mundo está cinzento... são bocas negras que mentem sorrisos. E eu pego-lhes, todos aqueles sorrisos feios, de mãos trémulas, tentando agarrar aquele momento que é mentira e que se desfaz lento. Sorrisos no ar como papel a arder. E lá fui, no dia cinzento, por dentro (ou fora) da palavra (não, da rua, era na rua), com a maça na mão. Eu queria comer aquela maça, mas queria come-la noutro lugar, algum lugar verde, vivo, e não este esboço de lugar a preto e branco. Eu gosto de preto e branco, mas queria mesmo comer aquela maça. Sabia que depois eram só janelas à minha volta, mãos que escorregam no vidro e tentam tocar as árvores, sem nunca o conseguirem fazer. Aquelas mãos tristes... e escorregam essas mãos que dantes tocavam outras mãos, muitas, na relva, no verde.
Eu queria comer aquela maça.
E comi. Dentro de mim, por dentro de mim. De pé. Sofregamente, como quem não vive.
Desfaz-se o tempo em rotinas e vontades 
Em projectos e verdades 
Em desgostos que se alastram 
Em vestígios distorcidos 
De nascentes que encontramos 
E é sempre quando seca que 
Tudo se tem que se agarrar 
Tudo o que faz fugir 
E a verdade passa a estar 
No fundo dum copo cheio do que se quer ser 
E a beata no chão que faz os olhos arder 
É a nova moda das crianças que ainda estão a aprender 
Como têm que estar e andar e beber 
E dançar e comer e falar e ouvir 
E sentar e sorrir pra saber existir aaaahhhhhh… 
Só eu sei ver o sol nascer 
Desfaço-me em pedaços, em retratos em… 
Mentiras que trocámos e abraçámos sim 
Fugimos mas voltámos 
E o que presta, o que 
Resta em nós… 
Num fim de festa onde… 
Todos sabemos quem somos 
Ou quem não se quer lembrar 
Ou quem precisa de estar 
Perdido noutro sonho 
A mesma noite, o mesmo copo, 
O mesmo corpo, a mesma sede que não sabe secar 
Onde se encontra sem se procurar 
Onde se dança o que estiver a tocar 
Muito fumo muito fogo muito escuro 
Quando somos o que queremos 
Quase somos o que queremos 
Quase fomos o que queremos aaaaahhhhhhhh… 
Só eu sei ver o sol nascer 
Só eu sei ver o sol nascer 
Quase fomos o que queremos 
Quase somos o que queremos 
Quase fomos o que queremos 
Quase somos o… 
aaaAAAHHH 
Só eu sei ver o sol nascer 
Dança em mim.
Dança em mim! Mundo, vida e fim! Dorme aqui. 
Dentro de mim..
[Toranja no MP3 da Maria Caxuxa 
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