Porque é que é tão difícil escolher o que queremos ser?

Lembro-me que quando era mais pequenina achava tudo fácil e simples, e crescer era a coisa mais natural da vida, crescer era poder escolher! Quero ser mil coisas todos os dias... Queria ser pequenina só mais uma vez!

o fenómeno dos cometas-leões (?)

Era uma vez... duas montanhas.
Eram umas montanhas bem especiais aquelas. Eram tão altas que lá de cima só se viam nuvens brancas e pássaros a voar. Eram tão altas, tão altas que ninguém sabia que elas existiam, ficavam mascaradas no azul do céu e só alguns as conseguiam ver, mas julgando-se a sonhar, não acreditavam que pudessem existir montanhas tão grandes.


MONTANHA 1 - OU O MAR

A Montanha 1 era tão alta que ninguém sabia bem que ela existia. Estava quase sempre camuflada de gordas e grandes nuvens brancas que a abraçavam sempre. Na Montanha 1 vivia um menino muito pequenino com umas mãos muito muito grandes.

Mãos como nunca se tinha visto.

Este menino vivia numa casinha e tinha um jardim grande cheio de estranhas plantas marinhas e pequenas árvores azuis.
Todos os dias (talvez como outro menino num planeta distante chamado B qualquer coisa...), todos os dias ele se levantava cedo para cuidar do seu jardim. E era um jardim muito especial. Um jardim cheio de golfinhos e estrelas do mar, baleias e peixes-gato, e tantos outros bichos-plantas que era de pasmar aqueles que nunca tinham visto lugar igual. Todos os dias os regava, tapava do sol, protegia do frio, do vento... E assim vivia contente desde sempre no topo da sua grande montanha.

No entanto, notavam-se estanhas alterações no seu estado de espírito nos últimos tempos... Queria mais qualquer coisa, o topo daquela montanha parecia ser-lhe pequeno para tamanhas mãos, mãos, que a seu ver teriam de servir para mais coisas além de regar e tratar plantas.

Estava mais triste o menino, mais distraído, suspirava - quem sabe - por encontrar alguém que precisasse de mãos grandes assim.




MONTANHA 2 - OU A MONTANHA
A Montanha 2 era tão alta que ninguém sabia bem que ela existia. Era grande e escarpada, cheia de ervas rasteiras de flores brancas. Flores tão brancas que pareciam algodão das nuvens.

Na Montanha 2 vivia uma menina muito pequenina com uns olhos muito grandes. Olhos como nunca se tinha visto. Todos os dias ela se levantava cedo para observar o horizonte. E bem via lá ao longe cores diferentes, pássaros que nunca vira antes, estrelas e planetas, e de quando em vez lá podia plantar um cometa.

Ela gostava de cometas, podia soprar-lhes e eles voavam alto deixando uma cortina de sonhos atrás de si. Mas o que mais gostava neles era a capacidade de voarem para lá da sua montanha, poderem ver outras coisas, serem livres de planarem céu fora.
E assim vivia contente no topo da sua grande montanha.

No entanto, notavam-se estanhas alterações no seu estado de espírito nos últimos tempos... Queria mais qualquer coisa, o topo daquela montanha parecia ser-lhe pequeno para tamanhos olhos. Olhos, que a seu ver teriam de servir para mais coisas além de observar nuvens e planetas.


O FENÓMENO DOS COMETAS-LEÕES - OU O ENCONTRO


Um dia, um estranho cometa aterrou na Montanha 2. Era mais pequeno que todos os outros que ela já vira, mais fofo, macio, semi-trasparente - frágil. Subitamente, uma comichão inesperada na narina esquerda fá-la espirrar. Deu-se um "Atchim" tão grande que o pequeno e frágil cometa se evaporou em mil pedaços voadores que se espalharam toda a parte. Triste, e sem perceber o que era aquilo, continuou a fazer o que habitualmente fazia, tentando esquecer a comichão na barriga que aquele novo e estranho cometa lhe proporcionara.

Tempo depois, começaram a crescer por toda a parte pequenas plantas verdes, e de um momento para o outro, toda a montanha se cobrira de pequenos cometas fofos. Mas eram tantos, tantos que um estranho fenómeno se desenrolou. Estes cometas começaram a criar um estranho efeito na Montanha 2. As nuvens, por causa deles, começavam a afastar-se lentamente, dando à menina a oportunidade de ver coisas que nunca vira.


A DESCOBERTA - OU O ENCONTRO


Um estranho fenómeno abatera-se na Montanha 1. As nuvens haviam começado a migrar. O menino não percebia, tentou demove-las, tentou perceber se elas estavam zangadas com ele, pediu desculpa, chorou quando elas se despediram. E sem ele se aperceber, um pedaço da Montanha 2 surge no horizonte.
O que poderia ser aquilo?
Ele mal podia conter a excitação que aquele momento lhe estava a causar. Era uma montanha igual à dele, e tão perto, era tão perto que se esticasse a mão poderia tocar no cume dessa montanha.

E foi então que a viu. Não a montanha, a menina!

Estranho momento aquele. Ela era como ele, pequenina, tinha duas pernas e dois braços, umas mãos pequeninas, que ele nem sabia ser possível existir mãos como aquelas, tinha cabelos grandes, tinha nariz... e uns olhos gigantescos!
Olhos como ele nunca vira.

Ficaram a observar-se durante alguns momentos. Ela sorridente, corada, feliz por finalmente poder ver coisas que nunca vira, e era tão bom!
Ele estupefacto, semi-alegre, semi-triste, ele não sabia bem.

«és como eu! estou tão contente

nunca tinha visto nada igual! Mas...

estás triste?»

Perguntou-lhe a menina.

«Sim»

«Porquê?»

«Porque eu pensava que quando encontrasse alguém

esse alguém seria igual a mim, ou pelo menos parecido...

tu és estranha, tens esses olhos... tenho medo de ti, és feia.

Eu queria encontrar alguém como eles»

Disse esticando a mão para uma qualquer cidade lá em baixo.

A menina ficou em silêncio, estupefacta.

Aquelas palavras magoavam-na. Não esperava que as coisas sem as suas nuvens fossem assim. Por momentos quis que tudo voltasse a ser como antes, que aqueles cometas estranhos não tivessem crescido na sua montanha e não tivessem empurrado as nuvens para longe.
O que era o medo? O que quereria dizer feia?

«Talvez devesses descer a montanha então»

E ele assim fez.


Fermez vous les yeux - ou "Faites de beaux rêves"

A menina continuou a viver na Montanha 2. A menina não deixou de fazer as coisas que fazia, tentava no entanto não pensar no menino da Montanha 1. As nuvens acabaram por voltar, depois de todos os cometas-leões terem explodido. A única coisa que mudara, é que sonhava com mais frequência. Sonhava com aquele menino estranho que tão cruel fora com ela. Sonhava que quando ela tinha frio, se deitava nas suas gigantescas mãos e sonhava com coisas boas.

Nunca mais se voltaram a encontrar.

Mas há quem diga que o menino da Montanha 1, depois de ter chegado à cidade, percebeu que de todas as pessoas à sua volta, aquela menina da Montanha 2 era a mais bonita.
Arrependeu-se das coisas que lhe havia dito. Dizem que ainda hoje ele tenta encontrar a Montanha 2 para lhe pedir desculpa, para lhe dizer que finalmente sabe para que servem as suas gigantescas mãos - para abraçar.
Não desiste, e todos os Outonos sopra com força dentes de leão ao sabor do vento na esperança que um lhe mostre o caminho da felicidade.

FIM

in a kind of storywriter mood

the untitled tale

1º CASO
Havia uma rapariga, cujo nome ninguém sabia.
Era uma rapariga como qualquer outra, provavelmente tinha um nome banal como outras tantas como ela, um nome próprio bastante comum - uma rapariguita qualquer.

Nem muito alta, nem muito gorda.
Nem feia, nem bonita.

Não era ruiva nem morena.

A única coisa diferente que essa rapariga tinha, agora me lembro, eram os olhos. Que olhos!
Eram uns olhos diferentes.

Maiores.
Mais luminosos, mais da cor do sol que outra coisa que exista na terra.
Eram daquela cor que só conseguimos encontrar quando o sol se põe bem lá depois das ultimas nuvens, bem lá depois da última gota de mar que vemos no horizonte.

Ninguém sabia que essa rapariga existia.

Tal como ninguém sabe que muitas outras raparigas existem, mas esta era ainda mais especial nesse sentido, porque não tinha família alguma e também não se lhe conheciam amigos, e ao que parece, as pessoas tinham tendencia para se esquer com terrível facilidade que ela existia.

O senhor da mercearia nunca se lembrava dela, embora a visse todos os dias a comprar o habitual - uma maçã verde e outra vermelha.

Os vizinhos esqueciam-se quase sempre dela, julgavam até que a casa não estava ocupada, havendo muitas confusões associadas.

Era como se esta rapariga não existisse para ninguém se não para ela mesma.


2º CASO
Aquele palhaço, estranho o Palhaço.

Ele tinha sido um dos maiores artistas circenses de que há memória. Os seus truques alegres eram a maravilha de tanta gente, a sua roupa surreal de belos losangulos, as suas histórias sempre tão reais, os seus improvisos, a sua exagerada teatralidade, a sua comoção, o seu sofrimento ensaiado, a sua entrega ao público... "um génio", diziam-lhe.

Toda a gente o queria ver. Os bilhetes esgotavam-se numa questão de horas, e era amado por muitos por este mundo fora.

Com o passar do tempo, no entanto, tornou-se mais soturno, as suas histórias mais reais, mais próximas daqueles que o iam ver, que o iam ouvir. Tão próximas, que muitos se comoviam ao ver as suas vidas representadas num tapete de lona, numa tenda suja de circo.

Aquele palhaço, estranho o Palhaço.

Um que sabe com detalhe a vida de cada um de nós. Um Palhaço que nos observa e representa na perfeição - todos os nossos movimentos, os nossos tiques, que mima detalhadamente os nossos maiores medos, as nossas tristezas mais tristes. Não tardou a ser despedido e por muitos esquecido.

Aquele palhaço, estranho Palhaço aquele.

Desolado, só e mal amado, deu por si numa rua escura a representar para o passeio.
O seu chapéu, outrora lustroso, está agora na laje fria esperando as caricias de algumas moedas atiradas a medo e à distância, uma moeda que lhe pede silêncio.

Conta ainda histórias que são demasiado parecidas com a minha e com a tua vida, e todos lhe fogem, todos tentam não escutar da sua boca a história da vida que não queremos ter.

1º CASO + 2º CASO = 3º CASO
Um dia, sem qualquer aviso, sem ninguém prever que tal fosse acontecer, essa rapariga cruzou-se com esse Palhaço, em mais um daqueles estranhos eventos a que podemos apelidar de coincidência.

"Para onde ia ela?", é a pergunta sem resposta que muitos fazem. Na realidade ninguém sabe ao certo, e poucos se lembram de a ver nesse dia.

O que é certo é que ela seguiu por ruas que desconhecia. Coisa que jamais fazia, não fosse ela também esquecer-se de si e do pouco que sabia da sua vida. Mas aquele dia pedia mudanças extremas na rotina, e ela cedeu a esse ímpeto infantil - contrariar aquilo que lhe parecia certo.

E tudo aconteceu da seguinte forma...
Era o seu dia de folga, de um trabalho que talvez nem exista neste mundo. Era Outono. E sem saber explicar porquê, as folhas coloridas agradavam-lhe bastante. Pareciam acenar-lhe muitas "boas-vindas" lá do alto.

Depois de regar com atenção os seus 9 "vazinhos", com a mais estranha variedade de plantas que se possa imaginar, saiu de casa em direcção à mercearia, onde mais uma vez comprou as habituais maçãs e se apresentou, mas sem grandes explicações como fazia de costume, hoje o dia apressava-a para outras ruas, e não havia tempo.

Decidiu andar a pé. Deixaria os túneis do metro para dias mais banais que aquele, parecia-lhe bem assim. As árvores atiravam belas folhas carmim à sua passagem, os pombos, irrequietos faziam danças nos seus pés e os sem abrigo cumprimentavam-na ao longe com um breve movimento de cabeça. Tudo lhe parecia estranho naquele dia.
Talvez fosse a luz, mais amarela que o costume, talvez a presença das pessoas na rua.
Pessoas de caminhar apressado, de olhar vazio que se desviava das árvores, pessoas de mãos frias que empurravam levemente quem caminhava devagar.

Parecia que poucos a conseguiam ver. Talvez, somente aqueles que tinham tempo.
Andou o dia todo.
Perdeu-se por muitas ruas encontrando-se noutras que nunca tinha visto.
O sol começava a pôr-se quando decidiu parar um pouco.

Parou num banco de jardim. Um jardim pequeno, daqueles redondos, daqueles que ninguém sabe para que serve e que "mais valia ser transformado em rotunda" (alguns comentam).

Um jardim tão pequeno que tinha apenas quatro bancos, uma grande árvore no meio e uma estátua (daquelas estátuas de alguém de quem ninguém se lembra, com uma chapa em bronze com um punhado de palavras gravadas).
Comeu a maçã verde. Observou com detalhe o céu, as casas à volta, a árvore, a estátua que era afinal de uma poeta já falecida, e cujo poema dizia assim:
Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...

E foi então que o viu - O Palhaço. Lá longe, ao fundo da rua da esquerda.
De pé. Gesticulando e pulando para as pessoas que passavam.
Parecia contar histórias. Parecia que ninguém o queria escutar.
Parecia que como ela, não existia.

Ao vê-la aproximar-se ele baixou os braços e ficou em silencio.
Olhou-a demoradamente até ela estar próxima o suficiente para lhe ver os olhos cor de sol.
Ela sorri-lhe e pergunta-lhe.

«que tipo de espectáculo fazes tu?»
«eu conto a história sobre a vida de cada pessoa que vejo.»
«verdade? como fazes isso?»
«não sei explicar, nem eu entendo bem.
mas não é importante, não há quem queira escutar-me...»
«sabes a história de toda a gente?»
«toda»
«podes contar-me a minha?»

De dentro do seu saco retira uma maçã vermelha que estende na direcção do Palhaço.
«gostava que me contasses a minha história
mas não tenho moedas. Se aceitares esta maçã...?»

Ele aceita. Segurando com força naquela maçã que ele tanto ansiava. Pega no seu chapéu gasto e leve, coloca-o na cabeça, oferece-lhe o braço com uma grande vénia "mímica".
«sentemo-nos»
Sugeriu.
Voltaram ao jardim, agora de candeeiros acesos. Deu a primeira trinca na maçã e começou.


«Um dia, sem qualquer aviso, sem ninguém prever que tal fosse acontecer,
encontraste um Palhaço, em mais um daqueles estranhos eventos
a que podemos apelidar de coincidência.
"Para onde ia ela?", é a pergunta sem resposta que muitos fazem.
Na realidade ninguém sabe ao certo, e poucos se lembram de te ver nesse dia...»

Depois daquele estranho dia, poucos são os que se lembram daquele palhaço que costumava estar na rua da esquerda com um velho chapéu no chão. Menos são os que se recordam da rapariga. Diz-se que andam por aí, apanhando folhas do ar, saltitando, sorrindo, vivendo as pequenas coisas, atrasando os que querem andar depressa para lugar nenhum.
Diz-se que vão mudando aos poucos a vida das pessoas que se recordam deles ou da história do palhaço, que aceitou a maçã vermelha de uma menina, que até esse momento, nunca tinha existido.
FIM

Julie Doiron - Pour Mon Amour

Penses donc une deuxième fois Tu réaliseras Que sans mon corps près de toi Tu ne grandiras pas Tu penses que tu serais mieux Très très loin de moi Une fois partie tu réaliseras Que tu es seule Prends ma main, ma petite main Le vent ici est fort Et si je semble trop méchante C'est que j'ai peur de toi Penses, penses, penses une fois Tu réaliseras Que sans mon coeur près de toi Tu ne grandiras pas
tenho saudades tuas