o fenómeno dos cometas-leões (?)

Era uma vez... duas montanhas.
Eram umas montanhas bem especiais aquelas. Eram tão altas que lá de cima só se viam nuvens brancas e pássaros a voar. Eram tão altas, tão altas que ninguém sabia que elas existiam, ficavam mascaradas no azul do céu e só alguns as conseguiam ver, mas julgando-se a sonhar, não acreditavam que pudessem existir montanhas tão grandes.


MONTANHA 1 - OU O MAR

A Montanha 1 era tão alta que ninguém sabia bem que ela existia. Estava quase sempre camuflada de gordas e grandes nuvens brancas que a abraçavam sempre. Na Montanha 1 vivia um menino muito pequenino com umas mãos muito muito grandes.

Mãos como nunca se tinha visto.

Este menino vivia numa casinha e tinha um jardim grande cheio de estranhas plantas marinhas e pequenas árvores azuis.
Todos os dias (talvez como outro menino num planeta distante chamado B qualquer coisa...), todos os dias ele se levantava cedo para cuidar do seu jardim. E era um jardim muito especial. Um jardim cheio de golfinhos e estrelas do mar, baleias e peixes-gato, e tantos outros bichos-plantas que era de pasmar aqueles que nunca tinham visto lugar igual. Todos os dias os regava, tapava do sol, protegia do frio, do vento... E assim vivia contente desde sempre no topo da sua grande montanha.

No entanto, notavam-se estanhas alterações no seu estado de espírito nos últimos tempos... Queria mais qualquer coisa, o topo daquela montanha parecia ser-lhe pequeno para tamanhas mãos, mãos, que a seu ver teriam de servir para mais coisas além de regar e tratar plantas.

Estava mais triste o menino, mais distraído, suspirava - quem sabe - por encontrar alguém que precisasse de mãos grandes assim.




MONTANHA 2 - OU A MONTANHA
A Montanha 2 era tão alta que ninguém sabia bem que ela existia. Era grande e escarpada, cheia de ervas rasteiras de flores brancas. Flores tão brancas que pareciam algodão das nuvens.

Na Montanha 2 vivia uma menina muito pequenina com uns olhos muito grandes. Olhos como nunca se tinha visto. Todos os dias ela se levantava cedo para observar o horizonte. E bem via lá ao longe cores diferentes, pássaros que nunca vira antes, estrelas e planetas, e de quando em vez lá podia plantar um cometa.

Ela gostava de cometas, podia soprar-lhes e eles voavam alto deixando uma cortina de sonhos atrás de si. Mas o que mais gostava neles era a capacidade de voarem para lá da sua montanha, poderem ver outras coisas, serem livres de planarem céu fora.
E assim vivia contente no topo da sua grande montanha.

No entanto, notavam-se estanhas alterações no seu estado de espírito nos últimos tempos... Queria mais qualquer coisa, o topo daquela montanha parecia ser-lhe pequeno para tamanhos olhos. Olhos, que a seu ver teriam de servir para mais coisas além de observar nuvens e planetas.


O FENÓMENO DOS COMETAS-LEÕES - OU O ENCONTRO


Um dia, um estranho cometa aterrou na Montanha 2. Era mais pequeno que todos os outros que ela já vira, mais fofo, macio, semi-trasparente - frágil. Subitamente, uma comichão inesperada na narina esquerda fá-la espirrar. Deu-se um "Atchim" tão grande que o pequeno e frágil cometa se evaporou em mil pedaços voadores que se espalharam toda a parte. Triste, e sem perceber o que era aquilo, continuou a fazer o que habitualmente fazia, tentando esquecer a comichão na barriga que aquele novo e estranho cometa lhe proporcionara.

Tempo depois, começaram a crescer por toda a parte pequenas plantas verdes, e de um momento para o outro, toda a montanha se cobrira de pequenos cometas fofos. Mas eram tantos, tantos que um estranho fenómeno se desenrolou. Estes cometas começaram a criar um estranho efeito na Montanha 2. As nuvens, por causa deles, começavam a afastar-se lentamente, dando à menina a oportunidade de ver coisas que nunca vira.


A DESCOBERTA - OU O ENCONTRO


Um estranho fenómeno abatera-se na Montanha 1. As nuvens haviam começado a migrar. O menino não percebia, tentou demove-las, tentou perceber se elas estavam zangadas com ele, pediu desculpa, chorou quando elas se despediram. E sem ele se aperceber, um pedaço da Montanha 2 surge no horizonte.
O que poderia ser aquilo?
Ele mal podia conter a excitação que aquele momento lhe estava a causar. Era uma montanha igual à dele, e tão perto, era tão perto que se esticasse a mão poderia tocar no cume dessa montanha.

E foi então que a viu. Não a montanha, a menina!

Estranho momento aquele. Ela era como ele, pequenina, tinha duas pernas e dois braços, umas mãos pequeninas, que ele nem sabia ser possível existir mãos como aquelas, tinha cabelos grandes, tinha nariz... e uns olhos gigantescos!
Olhos como ele nunca vira.

Ficaram a observar-se durante alguns momentos. Ela sorridente, corada, feliz por finalmente poder ver coisas que nunca vira, e era tão bom!
Ele estupefacto, semi-alegre, semi-triste, ele não sabia bem.

«és como eu! estou tão contente

nunca tinha visto nada igual! Mas...

estás triste?»

Perguntou-lhe a menina.

«Sim»

«Porquê?»

«Porque eu pensava que quando encontrasse alguém

esse alguém seria igual a mim, ou pelo menos parecido...

tu és estranha, tens esses olhos... tenho medo de ti, és feia.

Eu queria encontrar alguém como eles»

Disse esticando a mão para uma qualquer cidade lá em baixo.

A menina ficou em silêncio, estupefacta.

Aquelas palavras magoavam-na. Não esperava que as coisas sem as suas nuvens fossem assim. Por momentos quis que tudo voltasse a ser como antes, que aqueles cometas estranhos não tivessem crescido na sua montanha e não tivessem empurrado as nuvens para longe.
O que era o medo? O que quereria dizer feia?

«Talvez devesses descer a montanha então»

E ele assim fez.


Fermez vous les yeux - ou "Faites de beaux rêves"

A menina continuou a viver na Montanha 2. A menina não deixou de fazer as coisas que fazia, tentava no entanto não pensar no menino da Montanha 1. As nuvens acabaram por voltar, depois de todos os cometas-leões terem explodido. A única coisa que mudara, é que sonhava com mais frequência. Sonhava com aquele menino estranho que tão cruel fora com ela. Sonhava que quando ela tinha frio, se deitava nas suas gigantescas mãos e sonhava com coisas boas.

Nunca mais se voltaram a encontrar.

Mas há quem diga que o menino da Montanha 1, depois de ter chegado à cidade, percebeu que de todas as pessoas à sua volta, aquela menina da Montanha 2 era a mais bonita.
Arrependeu-se das coisas que lhe havia dito. Dizem que ainda hoje ele tenta encontrar a Montanha 2 para lhe pedir desculpa, para lhe dizer que finalmente sabe para que servem as suas gigantescas mãos - para abraçar.
Não desiste, e todos os Outonos sopra com força dentes de leão ao sabor do vento na esperança que um lhe mostre o caminho da felicidade.

FIM

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