Há dias que levam com eles as emoções, dias ralo de banheira.
Dias de emoções que escorrem como a lama da chuva pela sarjeta - esses motivos de merda, as certezas incertas nas quais queremos acreditar para ser mais suportável o acumular dos dias no calendário, as datas que mudam sempre em crescente.
Emoções que deixam atrás de si aquele cheiro a vazio, ausência.
Choveu o dia todo. Por dentro e por fora.
E descemos as ruas sem guarda-chuva, deixamos que essa água da chuva que não existe nos lave, nos tire essa sujidade que somos nós próprios. Há estes dias em que a corda ao pescoço aperta, respiramos menos - mas estamos vivos. E viver é isso mesmo - aprender. Respiramos menos e vivemos na mesma, o relógio marca a mesma hora, a noite e o dia sucedem-se, vais jantar novamente - nada muda.
Descansa! Vais dormir na mesma. Dormimos bem porque nada mudou.
Há estes dias em que a sanita não engole só merda, engole também lágrimas e o vómito da tristeza. As paredes de azulejo e o branco frio da luz parecem o aconchego quente dos braços da mãe que já não temos. E ainda que tapes a cara com as mãos, os azulejos conseguem ver-te na mesma.
Há estes dias de merda em que de facto as condições pioram, morrem pessoas à nossa volta. Morrem mesmo. Pais, avós, a infância que viveste... As pessoas morrem muito antes de sabermos que elas morreram, mas quando sabemos, dói igual. E choramos. E aprendemos a respirar como nos ensinaram - mal. Com a corda mais apertada, com mais rugas nos cantos dos olhos, com mais vontade de falar mal de tudo e de todos. Esse vestido fica-te mal, tu ficas mal a ti mesmo. O tempo vai-nos acrescentando mau humor e raiva.
Há estes dias, dias em que comer cerejas não chega. Dias em que os livros estão escritos em línguas que não percebemos, a música é barulho e a comida é lixo.
Há estes dias que gostaríamos de apagar com a borracha, como fazíamos antigamente nos nossos diários, os dias que não queríamos recordar. A mãe morreu - apaga. O namorado deixou-te - apaga. Traíste os teus príncipios - apaga. Vêem como era fácil?
Há estes dias em que, apesar do que toda a gente diz, apetece rebentar com tudo. Qual sol, qual praia, qual luz brilhante? Há apenas escuro, há medo. Há vontade de abraços e de verdade. Verdade! Chega de mentira, chega do faz de conta que somos de plástico... chega de sorrisos falsos, de perfeição... Quero o feio, o grotesco, o retorcido, quero as pessoas verdadeiras. Vontade de gritos.
Mas todos estão cegos... o Saramago tem razão está tudo cego. Está tudo cego mas é por dentro - como esperam sentir o que quer que seja? Como querem sentir o que quer que seja se já estamos mortos?... Estamos mortos, só não o sabemos ainda. Não sabemos nada porque o que importa é que chegou a hora de ir jantar. E não importa... viver é aprender. E vamos vivendo...
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