the girl from back then

O sono fugiu-me. Foi-se pela janela. Eu queria apenas que ele me embalasse até adormecer, depois podia ir por aí, noite adentro sem deixar rasto, eu não faria perguntas, juro, não perguntava onde tinha ido, amanhã de manhã quando acordasse com as marcas da almofada na bochecha.
Aqui fiquei eu sozinha, o cigarro a queimar lento entre os dedos e a caneta a escrever na mão. E eu deixo, não há nada que possa fazer, ela tem coisas para dizer, tem ciúmes do sono eu acho. Tem saudades de ler livros, saudades dessa rapariga que eu fui outrora, essa tal que andava de baloiço e tinha amigos interessantes que tocavam guitarra em bares obscuros e se embebedavam. Essa rapariga ria-se com facilidade, não tinha medo da vida e o tempo era ainda um homem gentil para ela. Hoje em dia essa rapariga engole as lágrimas em vez de vinho branco, escreve sobre os medos e fala pouco sobre as fantasias do amor e da cama, tem medo da caneta, daquilo que ela pode dizer, daquilo que ela pode despir.
Esta rapariga tem medo da nudez, não vá acabar a noite com os seios de fora.
Esta rapariga é um medo.
Há uma praia na minha memória da qual tenho saudades, essa rapariga visitava-a para ir encontrar-se com amigos secretos. Nessa praia havia mensagens antigas, corpos antigos, desejos quebrados e sonhos velhos, nela tudo era possível, todas as conversas conversáveis, todos os sexos viáveis. Não havia homem ou mulher, éramos uma só areia, uma só água que se misturava e criava castelos, sei que essa praia existe algures, cheia desses pescadores que nos embalam na sua corda e nos levam nos seus baldes de encanto para nos cozinharem depois nas suas mãos de amor - ela existe. O caminho até ela foi esquecido na teia de caminhos que a vida vai tecendo. A vida como as histórias, é orgânica está sempre a mudar, a cair, a criar... Nessa praia há rapazes de outros tempos a correr descalços, rapazes que vêem o pôr do sol e apanham conchas pela primeira vez, há raparigas que namoram sereias e sereias que nascem das estrelas. Nessa praia há uma rapariga que ainda está viva e que tem sonhos vivos, sonhos à espera.

1 comentário:

damadespadas disse...

Sabes...nunca deixes de sonhar e um dia quando arranjares espaço em ti volta a essa praia antiga.Quem sabe se nao te surpreenderás?!