Percebesse eu de momentos auto-destrutivos, e este seria um daqueles de auto-análise em que se descreveria até à exaustão os porquês, as causas, os motivos da destruição. Depois viriam as interpretações, reminiscências vindas da infância: o excesso de mães, a deficiência de pai, o ser filha única numa família de 7 e ainda por cima, numa casa com poucos quartos. Uma família com poucos avós para demasiados netos, poucas garrafas de amor para tanta gente com sede. Fosse este um desses momentos de auto-análise e descreveria os aniversários com os meninos sem casa, meninos sem casa-de-banho que eu insistia em convidar sem autorização por querer desesperadamente ter uma infância normal onde podia ter uma festa de aniversário com crianças, e não com adultos, que de certa forma estavam fartos de crianças, "Já és uma mulherzinha". Talvez no tamanho das calças, talvez na altura, não tinha culpa por estar a crescer rápido.
Mas hoje não há auto-análises para fazer, hoje penso nos Açores.
Os Açores fazem-me lembrar a Marlene e o seu pai lenhador. A Marlene andou comigo na escola, éramos amigas, ela era do Sporting e gostava dos bailes em Agosto, o pai dela como gostava dele tinto (o vinho, claro) levava as filhas com ele a todos os bailes, era uma farra. De certa forma eu invejava a brejeirice da Marlene, ela tinha duas coisas que eu nunca tivera, um pai e liberdade. Os Açores fizeram-me lembrar a Marlene e o seu pai lenhador. A Marlene ajudava o pai aos fins-de-semana, no Norte todos ajudam os pais no que podem, e quando chegava à escola às Segundas as suas mãos cheiravam a lixívia pois tentara eliminar todos os resíduos de resina, para estar bonita. A Marlene cresceu, eu cresci. Ela dançou em todos os bailaricos e eu desapareci da sua vida. Hoje vive nos Açores, é professora primária, vive rodeada do mar e aposto que já não precisa de lavar as mãos para estar bonita antes de ir para a escola. A Marlene andou comigo na escola e hoje, hoje eu lembrei-me dela.
2 comentários:
Sua escrita é tão pura e, não sei se só eu sinto isso, mas me parece um pouco depressiva. Me agrada muitíssimo o modo como você escreve!
Parabéns!
Muito interessante você abordar o tema "R.reminiscências". Uma das condições próprias da consciência humana: a memória. Triste de quem a perde, não é?
Um abraço e parabéns pelo blog!
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