Há quem diga que já houve

Houve já destes dias? Dias em que comer cerejas não chega, dias em que os livros estão escritos em línguas que não percebemos, a música é barulho e a comida é lixo?
Há dias assim. Há estes dias que gostaríamos de apagar com a borracha da escola, como fazíamos antigamente nos nossos diários secretos. A tua mãe morreu - apaga - a mãe morreu. O teu namorado traiu-te sem querer - apaga - traíste-me. Gostas do teu amigo - apaga - gosto de ti. Traíste os teus princípios - apaga - não quero. Vêem como tudo seria tão mais fácil? 
Há estes dias em que, apesar do que toda a gente diz, apetece rebentar com tudo. Qual sol, qual praia, qual luz brilhante? Há apenas escuro, há medo. Há vontade de abraços e de verdade. Verdade! Chega do faz de conta e sorrisos falsos, da perfeição do super-mercado. Quero o feio, o grotesco, o retorcido, quero as pessoas verdadeiras que andam na rua mal vestidas e a cheirar mal. Vontade de gritar com toda a gente. 
Mas todos estamos cegos, cegos nos olhos, na boca e nos ouvidos, ninguém sente nada. O Saramago tem razão, estamos todos cegos. Estamos todos cego por dentro - como esperamos sentir o que quer que seja? Como queremos sentir o que quer que seja se já estamos mortos por dentro? Estamos mortos, só não o sabemos ainda. Não sabemos nada porque o que importa é que chegou a hora de ir jantar. Viver é para aprender a comer com garfo e faca. E vamos vivendo.

2 comentários:

Catarina Dias disse...

Há um abraço que está sempre aqui para quando precisares... SEMPRE!

Anónimo disse...

Lindo :-) porque pode ser linda a escuridao tambem...