As memórias parecem fugir-me como as cabras selvagens. Poderiam ser cavalos selvagens que escapam velozes, mas não o são - são cabras. "Porquê cabras?", pergunta alguém curioso, afinal parece que a palavra fere susceptibilidades! Como cabras selvagens fogem pulando sobre outras memorias, comendo memórias ainda mais antigas, escondendo-se dentro de memórias mais recentes, dormitando e empurrando as lembranças mais queridas, fazendo com que toda a minha vida pareça miseravelmente impossível e confusa. Por vezes tento pastar estas memórias tresmalhadas por campos verdes e floridos, mas elas fogem pulando muros e embrenhando-se em pântanos e florestas escuras. Eu chamo-as, aceno-lhes alto com o meu cajado de pastor, mas elas correm velozes, devorando lilases e rosas. E eu fico a vê-las ao longe, fugindo-me - pois eu as amo, mesmo as que não são minhas, memórias queridas que eu quero guardar para mim, que eu quero acariciar nas noites de inverno à lareira, sorrindo por te-las novamente comigo. São selvagens, estas minhas memórias. Selvagens como as cabras que pulam nas montanhas altas, voando para lá de mim.
1 comentário:
Agora só falta ilustrar... Parabéns, Rute! Escreves tão bem....
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