O Zé dos Telhados/Mystery Man
No Verão abrem-se as janelas sem medo. Fumam-se cigarros às escuras e pensa-se na vida e em todas as coisas que se gosta, até as mais simples como sandálias e gelados.
É talvez no Verão que ganhamos aquela coragem perdida/esquecida e ousamos sair da linha de montagem em que nos inserimos a maior parte do tempo. Tempo extra, julgo.
Eu gosto do Verão.
Gosto das janelas abertas, dos insectos esvoaçantes que dançam apaixonados em torno dos candeeiros que aquecem as ruas; gosto dos varredores que passam sem me ver e das pessoas sem sono que espreitam a rua vazia e que não são mais que silhuetas esguias e angulosas da noite.
Foi numa dessas noites de Verão que reparei nele. Deitado sobre as telhas tenras de uma casa assombrada (dizem as crianças da bola azul que por ali brincam), com a cabeça confortavelmente enfiada numa peluda e gigante almofada amarela (parecia ter roubado a lua); as pernas cruzadas balouçando lentamente e o pé que apontava para o infinito davam-lhe um ar terrivelmente misterioso. As mãos, magras e ossudas, descansavam em cima de um antiquíssimo livro negro que colocara sobre o peito. Sorria.
Sorria e todo o seu ser se perdia na imensidão de um universo novo.
Fiquei a observa-lo, também eu silhueta na noite, escondida atrás da portada da janela. Suspirava de quando a quando e quis muitas vezes deitar-me naquela almofada e desfolhar com aquele misterioso homem que se perdia nas coisas simples o livro imenso que era a sua vida.
2006
Sem comentários:
Enviar um comentário