Não me deixes (como que "nota solta sem dono" à espera de ser lida)

Confesso que por vezes ser forte é difícil. Ser forte significa engolir as lágrimas e fingir que nada nos afecta. Significa fingir que sabemos o que estamos a fazer, que já sabemos tomar conta de nós, que já separamos a roupa branca da roupa de cor quando pomos a máquina da roupa a funcionar. Mas é tudo mentira.

Não está tudo bem.
As datas continuam a ter significados atrelados a elas e, apesar de já não chorar, de fingir que sou uma mulherzinha como no filme, as lágrimas caem para dentro como se os rios pudessem correr para dentro das nascentes e criar vales debaixo da terra, debaixo do corpo, dentro da alma.
Não está tudo bem porque os calendários continuam a acrescentar dias aos anos, anos aos dias, e subitamente as rugas vão cavando socalcos no rosto que dantes era de cera e agora está cada vez mais parecido com a avó Luísa. Fecho os olhos e tento viajar na máquina do tempo das memórias, mas tudo são fragmentos de uma vida que já não existe, uma pessoa que já não sou, uma vida com pessoas que não me conhecem. E tu não existes, és apenas uma sombra, uma forma cada vez mais difusa, mais distante. Fecho 
os olhos com mais força, como que para ver melhor e - nada.
Não me deixes... e lembro-me da frase "sinto-me órfã", aquela frase que tanto me chocou a certa altura da minha vida. E sabes uma coisa, acho que é isso que está a acontecer, com o passar do tempo até nas minhas memórias me começo a sentir órfã.
A tua imagem começa a desaparecer, os poucos, um pouco por todo o lado. Acho que... é difícil perder aquilo que nunca realmente tivemos.

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