Carlota era uma rapariga enfezada e sem piada. Os cabelos pretos, pingões, que lhe pousavam nos braços como um manto de velha,escondiam-na como um cortinado esconde os trastes de família. Os olhos, herdados do lado do pai, eram grandes e cinzentos. Descaídos, no entanto, conferindo à pobre rapariga uma ar tristeza que lhe tingiu a alma com o tempo. A boca era pálida como a de um morto, lábios finos, inertes, lábios que não sabiam certamente sorrir. Carlota era uma rapariga triste filha de pais professores. Não tinha muitos amigos, mas isso não lhe fazia falta pois ela nem sabia o que era isso de ter amigos. No Verão, quando os primos da cidade visitavam os avós, Carlota convivia com eles a contra gosto, não sabia brincar com outras crianças e acabava sempre por criar inimizades com a prima Ana, prima que odiava em segredo por ser a favorita da avó. Os Invernos passava-os no seu quarto a brincar com as bonecas que a avó lhe trazia de Espanha, eram todas de um plástico barato e tinham mãos grandes com dedos abertos que arranhavam, a única coisa que faziam era abrir os olhos e fechar. Ainda assim ela mantinha-as bem arrumadas por tamanho e cor de cabelo, não lhe agradava a desarrumação, tudo tinha de ser ordenado. Diziam os pais, quando os primos lá passavam, que Carlota seria no futuro uma excelente bibliotecária, quem sabe trabalhasse num importante arquivo algures a catalogar processos. Carlota suspirava, sabia lá o que os pais queriam dizer com aquilo, ela somente desejava viver na aldeia para sempre, a confusão de gente deixavam-na triste e só.
Carlota era uma criança diferente. Vivia naquela solidão de ser a única com bonecas de plástico.
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