Eu sempre tive aquela mala, desde sempre mesmo. Desde sempre é muito tempo, mas sei que ela existiu desde o meu inicio. Com o tempo que foi passando ela foi ficando gradualmente mais pequena, nos últimos anos era tão pequena que somente pequenos envelopes cabiam dentro dela.
Sinto falta dessa mala como das varandas no Verão, do baloiço de almofadas azuis. Mas daquilo que mais falta sinto é de mim mesma, pequenina e dobrada dentro dessa mala.
e um dia cortei a franja diante de um espelho azul
É uma sensação estranha a de não pertencer a lugar nenhum, aquela pequena e infantil sensação que nos deixa sonhar com vidas possíveis e imaginadas, aquelas que viremos a ter e as que nunca vamos conhecer.
Onde a deixei eu? Onde pus eu essa sensação libertadora de ainda não ter encontrado aquele lugar e aquele “eu” que quero habitar para sempre, num qualquer lugar, como se ali tivesse existido desde o inicio do mundo? Nos bolsos dos casacos de Inverno? Nos buracos dos muros? Na luz da lua?
E as palavras parecem repetir-se como se as atirasse de um penhasco, o mesmo som, o mesmo rebolar, o mesmo toque rude que tento evitar a todo custo. Procuro a palavra perfeita, a pedra perfeita que vá fazer ricochete na superfície da água e não encontro nada que valha a pena, como se fossem tudo ecos daquilo que realmente quero dizer, pedras pesadas que se afundam no lado sem fazerem som algum, apenas silencio molhado.
Vou perdendo a esperança de algum dia vir a consegui-lo, o tempo leva com ele os dias e os dias vão-me lavando aos poucos deixando a minha pele mais deslavada, as cores da vida mais pálidas e escuras. Quero o sol, quero corar, quero gargalhadas e olhos molhados, pés descalços... Pés descalços que me façam companhia na calçada fria pela noite. As ruas são todas compridas e sobem, e eu quero tanto descer, descer e encontrar as pequenas pontes de pedra que saltitava como criança alegre.
Quem perdeu? Quem ganhou? Lembro-me de um qualquer jogo que gostava de jogar, mas agora já é tarde, faltam-me peças e esqueci as regras. O vento toca-me no ombro, lembrando-me que ainda há tempo para mais sonhos, e fico a vê-lo rebolar-se pelas paredes e pelas folhas que acaricia com suavidade. Então, para não ouvi-lo, vou mexendo nas gavetas vazias, imaginando as de outrora, e leio papéis que não existem senão na minha cabeça, e leio-os em voz alta até acreditar que eles ali estão, nas mãos e no chão.
Havia quem dissesse que as palavras são muitas vezes portas fechadas que raramente mostram o que têm la dentro, eu tenho as janelas, e das janelas vemos sempre tudo, nem que breves silhuetas esvoaçantes que nos fazem acreditar que as borboletas têm asas.
um qualquer actor vestido de cowboy a passear pelas ruas de Lisboa
Quando usava aquela roupa, sentia que era capaz de tudo, até de parar para tomar chá. Fumava cigarrilha e parava para olhar bem os lugares onde estava. Nem sempre sabia para onde estava a ir (rumo a norte ou sul?), pouco lhe interessava desde que ouvisse o tilintar constante das esporas a bater na calçada.
Naqueles momentos, em que podia vestir-se daquela forma, estava mais vivo.
Olhava o céu mais vezes.
(work in progress)
Se tivesses outra vida, o que é que querias ser?
Se eu tivesse outra vida, hoje queria ser cowboy. Ter as calças cheias de pós, umas esporas que fazem tlimplimtlim, um chapéu de abas largas e um lenço amarelo atado à volta do pescoço. Se fosse cowboy, talvez apanhasse o metro e fosse beber um chá ao Bairro Alto.
Algures, dentro de uma velha caixa de sapatos.
E depois ele disse: "um dia vou ser feliz"!
E se por momentos pudéssemos dizer exactamente aquilo que nos vai na cabeça com a mesma limpidez da água? Só por um momento, um breve e fugaz momento no qual nos poderíamos libertar das palavras que vão crescendo como musgo por dentro daquilo que somos feitos, não seria libertador? Hoje a luz é de um cinzento dourado, entra devagar pela janela para não me incomodar (dantes entravas tu, agora a janela já esta fechada, não conto mais com a tua chegada), e fica a ver-me escrever as coisas que eu mais quero dizer, mas que nem sempre consigo deixar escapar por entre os dedos. Queria ter umas escadas, daquelas mágicas, escadas que eu pudesse trepar sempre que este cinza invade os meus dias, no topo dessa escada o sol brilha e eu deixaria de querer dizer as coisas que não sei.
É como estar num limbo inexplicável em que poucas coisas fazem sentido, quase como se as mãos pudessem ser pés e os pés pudessem ser mãos. Sinto a falta das árvores altas que nos escondiam com os ramos abertos, falta daquele vento fresco que faz apertar os casacos, falta de correr, ah, como sinto falta de correr, correr sem parar como se não quisesse ir a lugar nenhum. Tenho saudades dos pulos sobre a velha ponte, das folhas que eram jangadas, dos sonhos, dos pés molhados... É como se eu fosse de metal, e tu fosses aquela pequena manchinha laranja que me lembra da minha fragilidade, que me lembra que o tempo vai passando por mim (mesmo quando eu não o vejo a passar).
Preciso de abraços, de todos aqueles que nunca demos!
de olhos fechados
Quando tenho saudades dos lugares, fecho os olhos e imagino-me a percorrer as velhas ruas, imagino-me a entrar nos lugares do costume, e até, a cruzar-me com as pessoas que eu costumava ver de quando em vez. A minha viagem é sempre feita de autocarro, gostava daquela linha, as pessoas eram todas engraçadas e toda a gente se conhecia. Quando desço, na paragem onde costumava sair, desço também a rua em direcção à minha pastelaria preferida. Entro, sento-me na minha mesa, como gosto de lhe chamar, e como uma tarte com frutas frescas. Está sol, nesses meus passeios. E falta algum tempo para o sol se pôr, penso que ainda tenho muito tempo para ir a muitos lugares antes de abrir os olhos e terminar o meu passeio.
Bebo o café que ainda esta quente, olho em volta e deixo-me ficar nos detalhes das muitas mesas ocupadas. Depois concentro-me na janela e no que posso ver através dela. As árvores estão verdes, a relva foi cortada. O sinal de transito esta vermelho e os carros amontoam-se à espera que ele os deixe passar. Levanto-me e vou pagar, digo obrigado ao receber o meu troco e saio. Atravesso a passadeira e vou em direcção ao jardim, os pombos estão por todo o lado a comer as migalhas de pão que uma família lhes dá. Os velhotes do costume ainda jogam, e as velhotas estão sentadas nos seus respectivos lugares com o ar alheado de que está um bocado perdido.
A livraria ainda esta aberta, consigo vê-la daqui. Quero ir lá.
Está igual. As minhas memórias deixaram-na naquele momento - com a escada das estantes entre os livros de ciência e de direito.
Os livros de poesia estão do meu lado direito, na quarta prateleira a contar de baixo, lembro-me bem, escolho um ao calhas e abro-o. E faço uma e outra e mais outra vez.
E vou fazendo-o, até que as saudades se esgotem todas e eu já não consiga mais ler as palavras.
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