Carta (parte I)

Querido amigo:

Parecem séculos desde a ultima carta, talvez tenham sido (3 anos?)... Ah, por onde começar depois de tanto tempo, é como se houvesse uma barreira de vidro entre nós e pudéssemos apenas desenhar coisas abstractas com os dedos no vidro, talvez soprar (ou é bufar?) e desenhar qualquer coisa, uma chávena de café, tu desenhas outra, era um bom começo de conversa, não achas?
Talvez não para ti, era demasiado comprometedor verem-te a desenhar uma chávena de café (será que aqueles dois andam?)...
Sinto falta destas cartas do "como estás tu? ainda não morreste, pois não?".

Não, e esta carta é para te provar que ainda aqui estou!
Aqui, na cidade dos descobrimentos e dos navios sem destino. A ouvir Amy Seeley (ah, pois, agora sou eu a mostrar-te música, bem feita!). Bem, vou redireccionar esta caneta que se perde já nas entrelinhas em vez de mergulhar nas coisas que realmente interessam. Já tenho 24 anos, é verdade, ainda ontem parecia entrar nos 16, ainda ontem parecia que eu vestia t-shirts com flores e calças à boca de sino (eu queria muito ser hippie... e tinha umas calças azuis que adorava), agora aqui estou, mais despersonalizada que nunca. A verdade é que quanto mais cresço menos sei das coisas, parece quase uma viagem ao contrário... é mesmo assim? Já não tenho o meu antigo sofá verde, onde nos deitávamos para ver as estrelas que desenhámos com as canetas de feltro no tecto, agora é um sofá qualquer que nem sei para que serve. Sinto falta de um ombro amigo para poder dizer que me quero mudar para África e viver numa palhota a cantar e a dançar com os meninos da escola.

Poder dizer isto sem levar palmadas no rabo "salva-te a ti primeiro...".

Isto de crescer é como na escola, temos de estar constantemente a mostrar a todos que somos muito fixes, "o que é que fazes? " - "limpo latrinas".
Juro que um dia me vai escapar sem querer!

Acho que sou assim, uma cabeça de vento que nunca sabe bem para que lado vai soprar nem quando! Eu quero escrever. Essa é a minha paixão, vestir-me de lobo, mas na verdade eu sou o capuchinho vermelho. Viver a vida de uma criança de cinco anos novamente. Viver a vida de um senhor de 85, como se na verdade essa fosse a minha vida.

Vender flores. Enviar ramos a desconhecidas solteiras, sorrir, malandrar com malmequeres - bem-me-queres.
No entanto preciso de mais emoções, a vida é feita delas sabes?! Correr até o coração bater tão rápido que parece que vai sair de nós e correr ainda mais depressa. Ouvir alguém tocar na rua e chorar de emoção... rir às gargalhadas!

Onde estão todas essas coisas?

(continua)

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