Júlia, Trás-os-Montes
Diziam que a mãe da Júlia era atrasada. Quando a via passar à porta de nossa casa fazia-me lembrar uma japonesinha - deslocava-se com um passo muito miudinho, as mãos sempre caidas ao pé das ancas e a vista no horizonte. A mãe da Júlia comprava-lhe muitas goluseimas e ia sempre busca-la à escola, ainda que a escola fosse apenas a 200 metros da sua casa. A Júlia vivia com a avó, o avô e a mãe. A casa onde moravam era um U feito de pedra rebola como as castanhas do tio Alberto. Do lado esquerdo as lojas das batatas e retrete, do lado direito a casa onde dormiam, e ao fundo a loja das cabras e o curral (aberto para a rua mas com telhado de colmo). As portas eram todas pintadas de azul céu, e quando nos apróximavamos da casa da Júlia ouvíamos os balidos das cabras e os seus sinos - a Júlia devia adormecer embalada pelas canções dos seus animais. Nos dias de escola, quando tinha que acordar muito cedo, o avô acendia a lareira para que se pudesse recompor antes de subir a ladeira até à escola. Ensonada e a abrir a boca dormitava de cabeça encostada à samarra do avô que num púcaro encardido fervia vinho doce com migas para dar à neta. A Júlia cresceu. Morreu o avô e quando já era mulher a avó. A mãe não percebeu bem dessas mudanças, vivia fechada dentro de si mesma há já alguns anos. A Júlia deixou de ter cabras, mas quando me recordo das parcas tardes em que nos foi permitido brincar naquele quinteiro virado para o curral, recordo esse som tão quente e familiar, como se também na minha infância eu tivesse tido um avô que me amasse.
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1 comentário:
Não acho que tenha entendido por completo o que escreveste, visto que não senti o que sentiste ao escreveres (bem diz o Fernando Pessoa)...mas gostei e fez-me tentar imaginar como seria a pequena Júlia e sentir saudades do meu avô e dos tempos de pequenina.
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