Olga, Trás-os-Montes, Verão de 1995

No Verão comia iogurtes fora de prazo. Os primos eram sempre simpáticos e deixavam no frigorífico os excedentes lácteos, juntamente com uma sensação de vazio, sempre que acabavam a sua semana de férias no norte. Para passar os dias de férias sem se aperceber das horas, via televisão na cozinha, com a luz apagada, os filmes parsos que ali exibiam. Sacudia as migalhas do jantar no quintal depois das nove, ainda que a sua mão a advertisse que dessa forma as alminhas viriam comê-las e se perderiam no escuro para sempre. Dobrava a toalha a olhar as estrelas que iluminavam a noite e em silêncio, dentro do seu coração, pedia desejos a todas elas - alguma haveria de ser encantada no meio de tantas centenas. Passava as tardes nas escadas de acesso ao sótão onde lia livros e falava sozinha imitando as heroínas das telenovelas, a mãe rezava entre dentes e tricotava as toalhas de renda para o enxoval. Entretinha-se a fazer desenhos e cópias porque tinha saudades da escola. Cantava. Dançava na sala de estar com as cortinas fechadas quando o sol estava muito quente e quando a sensação de clausura aumentava. Lanchava com a mãe. a Televisão conversava por ambas. Sentia-se sozinha e longe. Havia apenas um momento do dia que a fazia sentir grande e lhe dava uma sensação de liberdade - o pôr do sol. Quando o sol se punha, empoleirada na janela do seu futuro quarto, perdia-se a adivinhar as cores que as nuvens vestiam. Traçava com o seu pequeno dedo indicador a linha recta do horizonte, linha essa que lhe dizia que para lá daquelas montanhas de pedra havia outro mundo, mais populado, mais alegre e dentro do prazo. Queria ser como o gato das botas para poder atravessar o muro do desconhecido e aventurar-se na vida.

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