Hoje, acordei com aquela sensação terrível, aquela que devasta os dias de sol, aquela que nos transforma em gigantes gordos e pesados. Acordei com a sensação que não existe lugar algum para onde eu possa ir; acordei tendo somente na cabeça a pergunta arrasadora: para onde vou agora? Que lugar? (pensei no singular, pareceu-me mais objectivo, mais eficaz - mas nada.) Que lugares? Nada. E de um momento para o outro (sem que eu reparasse nas artes magicas que foram usadas para aquele efeito) o mundo tinha-se transformado num pequeníssimo berlinde que eu remexia por entre os dedos sem saber o que fazer com ele.
Mas não era assim. Eu estava suspensa no universo tentando segurar-me com o meu dedo indicador todo torcido naquele berlinde que rodava lento e placidamente à volta do sol. Exagero ou não, é devastador acordar e o mundo ser do tamanho de um berlinde. Subitamente, não há lugar para nós e somos como sacos vazios que penduram na varanda e que são sacudidos e empurrados pelo vento de um Dezembro húmido que, por algum motivo alheio, não quer parecer Natal (e o cheiro a pinho? E o frio? E a geada? Eu sei que não é Dezembro, mas para mim é como se fosse, ora!).
Como é possível não haver lugares, e pessoas, ruas? Como é possível não haver pessoas na rua que sabem onde estão os lugares que querem?
Que quero eu? (e esta pergunta parece tão solitária e frágil no meio de uma rua gigantesca que se prolonga até à linha do horizonte)
«Não posso responder eu… eu sou um saco vazio e inútil a ser arrastado pelo vento.»
«Quem… quem falou, quem foi?» Olhei para baixo e lá estava ele, um simples saco branco, cheio, cheio de ar.
«Sou um monstro e estou a escorregar do mundo, tão te assusto?»
«Não sei o que são monstros.» respondeu o saco timidamente.
Peguei-lhe. Apertei-o contra o peito e o saco estremeceu, nunca ninguém lhe tinha pegado daquela forma – exceptuando a Srª. Almerinda que o transportou cheio de alfaces desde a mercearia do Sr. António Teixeira (que também tinha pegado nele mas de uma forma brusca, tinha-o sacudido duas vezes e tudo, o homem era um mal encarado) até casa de uma vizinha sua (a Dona Aninhas) que lhe tinha feito umas encomendas (encomendas essas que incluíam as alfaces), a pobre senhora já não podia sair de casa por causa do reumático do joelho esquerdo e, logo após ter guardado as alfaces na gaveta do lado esquerdo do seu antiquíssimo frigorífico da Oliva, a velha o atirou para o quintal com um ar de desprezo transmitindo ao pobre saco uma sensação de inutilidade; mas mesmo nessas mãos, não sentira aquilo, aquele… carinho.
Naquele momento eu era o saco e o saco era eu.
Não podia simplesmente estar ali, em Lugar Nenhum, vendo aquele saco tão perdido e tão infeliz e não fazer nada. Podia partilhar o Lugar Nenhum com ele, segura-lo pela asa e…
«Mas tu tens asas!», exclamei.
«Sim.»
«Então, és tu que voas por onde queres?» Que pergunta idiota.
«Os sacos não voam. Os sacos são sacos e não penso que muitos se preocupem com isso.»
Quedei-me naquela resposta. Metaforicamente todos temos asas (é a forma que usamos para nos sentirmos capazes de tudo, capazes de sonhos sem fim). Tínhamos mais um ponto em comum eu e aquele saco branco. Coloquei a asa do saco na minha orelha esquerda (como se faz com as cerejas! Ah, como gosto de cerejas!) e podia jurar que o vi corar. De repente, aquele saco branco ficou ligeiramente róseo ao toque com a minha face.
«Não sei para onde vou.» Disse-lhe. Não queria equivoca-lo.
«Leva-me contigo.»
Sorri.
Afinal os dias assim, em que o mundo é um berlinde e nós monstros presos por um dedo e suspensos sobre a imensidão do espaço, afinal, afinal os dias assim podem ser dias de grandes achados. Começou a chover (eu gosto de escrever quando chove!). Abri o guarda-chuva. Por longos momentos ficámos em Lugar Nenhum a ver as gotas a beijarem o chão e a fazer centenas de círculos perfeitos para logo desaparecerem e aparecerem outros e mais, aos milhares! E depois? Depois não sei. Os Lugares Nenhum estão em todo o lado, um pouco como o pó de arroz – nem sei bem porquê.
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