Rapariga com cabeça cheia. Rapariga com corpo cheio de tripas, tripas à moda do Porto, e gostava de comer um sopinha para acalmar o estômago pois está revolto como a água do mar com a tempestade que se pôs. Ou foi da cabeça da rapariga com a suas histórias? Das palavras a chocarem umas com as outras, zaragata de peixeiras do Bolhão a baterem com os rabos de pescada na cara das apanhadoras de batata transmontanas que estão de passagem.
Rapariga com o coração cheio de amor, mas para onde? Para quê? Parece comida estragada a fazer mal. Fel azedo a causar azia. Amor estragado que ninguém percebe, o raio da rapariga.
Rapazes, raparigas, quem é que percebe esta rapariga de cabeça cheia de árvores com asas e homens e mulheres vestidas de Maria. Pássaros a cantar à janela, ataques epilépticos a subir as escadas e pesadelos na carteira. Rapariga órfã, rapariga sem abrigo que não sabe o que fazer com o quarto, tem medo dos amigos, faz amizade com a solidão e quer fugir para não saber quem é. Reinventa. Reinventa a tua janela uma e outra vez e um dia a camada de tinta será tão grossa que já não a podes fechar e os monstros que querem entrar e dormir contigo, violar-te, comer-te e levar-te para passados impossíveis vão conseguir apanhar-te. Rapariga com a cabeça cheia de música de merda que não quer ouvir. Quer dormir para sempre, esconder-se dentro de um sonho e ser um homem.
As peixeiras pousam a pescada e limpam um polvo, a rapariga quer beber café. Quer parar tudo e ficar a olhar o mundo sentada numa cadeira - alheia - como uma morta num caixão. Rapariga de cabeça cheia, acorda que amanhã tens as vindimas.
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