Just close your eyes and let yourself go...

Nota de Autor

Eu sei. Eu sei de muitas coisas, acredita. Sou é de uma natureza calada e discreta, não faço muito barulho. Sou como os bichos pequenos e que ninguém nota. Sou como o gato que caminha entre os cristais sem nunca partir nada e sem nunca se fazer ouvir. Não faço barulho. Eu aprendi com as pequenas coisas da vida, como as colheres que mexem o café, a ver como a vida se faz. E fui vivendo e experimentando o que me diziam as coisas do mundo que já existiam antes de mim. Eu aprendi muito com a minha avó que tanto gosta de coscuvilhar com as suas amigas que se vestiam de preto antes do tempo ter sido inventado. Aprendi com a minha mãe que costurava numa teimosa máquina enquanto cantava coisas que inventava. Aprendi com os caracóis que apanhava no jardim. Aprendi com os difíceis degraus, os sonhos maus e os monstros de armário. Aprendi que nada se deve desperdiçar porque cada segundo, é demasiado precioso.
É só que às vezes não sei.

Do you think we will be in love forever? You're no good for me...

"Quero vidros, quero arder, ainda que me quebre a mim mesma. Vivo apenas para o êxtase. Nada mais me afecta. Doses pequenas, amores moderados, todas as demi-teintes – tudo isso me deixa indiferente. Gosto de extravagância, ardor… sexualidade que rebente o termómetro! Sou neurótica, depravada, destrutiva, ardente, perigosa – lava, inflamável, irreprimível. Sinto-me como um animal selvagem que escapa do cativeiro." Anaïs Nin

Miguel Esteves Cardoso in Jornal Público - sobre as banalidades de sentir o que sentimos

Quando nos apaixonamos, ou estamos prestes a apaixonar-nos, qualquer coisinha que essa pessoa faz – se nos toca na mão ou diz que foi bom ver-nos, sem nós sabermos sequer se é verdade ou se quer dizer alguma coisa — ela levanta-nos pela alma e põe-nos a cabeça a voar, tonta de tão feliz e feliz de tão tonta. E, logo no momento seguinte, larga-nos a mão, vira a cara e espezinha-nos o coração, matando a vida e o mundo e o mundo e a vida que tínhamos imaginado para os dois. Lembro-me, quando comecei a apaixonar-me pela Maria João, da exaltação e do desespero que traziam essas importantíssimas banalidades. Lembro-me porque ainda agora as senti. Não faz sentido dizer que estou apaixonado por ela há quinze anos. Ou ontem. Ainda estou a apaixonar-me.

Gosto mais de estar com ela a fazer as coisas mais chatas do mundo do que estar sozinho ou com qualquer outra pessoa a fazer as coisas mais divertidas. As coisas continuam a ser chatas mas é estar com ela que é divertido. Não importa onde se está ou o que se está a fazer. O que importa é estar com ela. O amor nunca fica resolvido nem se alcança. Cada pormenor é dramático. De cada um tudo depende. Não é qualquer gesto que pode ser romântico ou trágico. Todos os gestos são. Sempre. É esse o medo. É essa a novidade. É assim o amor. Nunca podemos contar com ele. É por isso que nos apaixonamos por quem nos apaixonamos. Porque é uma grande, bendita distracção vivermos assim. Com tanta sorte.

Back to imagery (there's a sadness so hard to let go, it's imprinted deep inside)

Há um grito de vómito que não sai.

Thoughts

"Eu não saberia nunca como ajeitaria a minha alma a levar o meu corpo a possuir o seu. Dentro de mim, mesmo ao pensar nisso, tropeço em obstáculos que não vejo, enredo-me em teias que não sei o que são. Que muito mais me não aconteceria se eu quisesse possuí-la realmente?" (Bernardo Soares)

Tudo quanto penso, tudo quanto sou

Sim, está tudo certo.
Está tudo perfeitamente certo.
O pior é que está tudo errado.
Bem sei que esta casa é pintada de cinzento.
(...)
Mas, está claro, está tudo certo...
E, excepto estar errado, é assim mesmo, está certo...
(Fernando Pessoa)

Se o amor existir (Ana.logias)

A Ana é uma mulher bonita. Puta, mas bonita. Tem o corpo perfeito, as curvas perfeitas, as mamas perfeitas, o cu perfeito. Ana tem 25 anos e é uma mulher bonita e puta. Desde os 16 anos, idade em que decidiu fugir de casa para que o pai começasse finalmente a foder a mãe em vez de a foder a ela, que se entrega a qualquer homem que a deseje. Ana acredita que isso a fará esquecer o corpo do pai em cima do seu, o cheiro do pai, a pele do pai nas suas coxas. Ana é a mulher perfeita. A perfeita estranha com quem te cruzas na estação de comboio todas as manhãs. Tu vais trabalhar na loja de computadores, tens orgulho, não tens? Orgulho de ter um trabalho, de poderes pagar os teus jogos de computador? Quando apanhas esse comboio para ires trabalhar, a Ana apanha esse comboio para regressar a casa e aos seus demónios. A Ana não gosta dos dias, são solitários e crus, fazem-na ter memórias. A Ana só quer matar as memórias todas, por isso é que dorme com tantos homens. Se ao menos jogasses menos jogos de computador e seguisses os conselhos do teu pai, talvez te cruzasses com ela por essas noites fora. Talvez, se vivesses, conhecesses a Ana e entrasses para a sua colecção de cheiros, a sua colecção de homens. Ana vive sozinha, já te tinha dito, desde os 16. Durante o dia fuma sem parar e chora como uma criança com medo. A Ana tem medo das noites, por isso trabalha sem parar, sem parar para pensar que a sua vida é uma miséria, sem parar para dormir, os sonhos são armas que a magoam. Ana é a puta perfeita. Tu não sabes, mas fantasias com aquele corpo esguio e curvilíneo. Ana é a mulher perfeita, aqueles cabelos longos, brilhantes, bonitos. Só não sabes que a Ana quer matar o seu corpo, a Ana não quer ter corpo, a Ana só quer ser menina sem pai.

You're the ghost in the back of my head.

Sou uma sensação sem pessoa correspondente. (Álvaro de Campos)

Green Book

Comprei um bilhete de comboio do qual não necessitava. Bastava-me andar a pé.
Mas andar a pé lembra-me de todas as pessoas que não estão comigo e isso entristece-me. Assim, ao sentar-me com estranhos e ao ouvi-los, julgo fazer-lhes companhia, uma companhia que não existe - somente dentro da minha cabeça - mas que não me faz entristecer.

Je pense a toi - mon Amour ma Chérie (mãe)

the perfect start

"Na manhã em que se levantou para iniciar este livro, ela sentiu que algo lhe estava a sair da garganta, estrangulando-a. Rasgou o cordão que o retinha, arrancando-o, e quando voltou para a cama, disse: Acabei de cuspir o coração" (Anais Nin)

Wondering...

In - toxic - action

Havia um bloco de notas onde eu escrevia as coisas horríveis que não podia dizer. Hoje em dia já não existem blocos de notas como antigamente, fazem-se na mesma os blocos em massa, mas não se preocupam tanto com o interior, esqueceram-se da importância do papel, as páginas pautadas as lisas. Hoje preocupam-se com as capas, se são bonitas, de que marca são, se a cor está na moda e se está a condizer com a carteira - não querem saber se é para escrever  lá dentro.

Perdi o meu bloco de notas.

Estou cheia de lixo por dentro. Cheia de palavras, monólogos, frases, irritações, declarações, admoestações, gritos, tristezas e melancolias. Não consigo pensar direito. Não havia melhor sentimento que aquele de abrir o bloco de notas e sentir as veias expulsarem o veneno. "Pai, não gosto de ti. Pai não gostas de mim. Mãe, morreste. Não quero mais bolos de aniverários com números. Abraça-me mais vezes. Pára de me julgar."
É uma sensação tão bonita estar limpa.