Estar perto
Quão importante é o zoom?
Quando vi este retrato (que não foi tirado por mim), achei que estava maravilhoso. Disse-o em voz alta: que fotografia linda que me tiraste.
"Hum... sim, se calhar. Se não se fizer zoom."
Demorei-me numa pausa pois não sabia bem o que queria dizer com zoom.
Como assim? Porque se veem os pelos da minha cara e assim?, perguntei. Tinha de ser.
"Exacto. Ninguém quer ver isso numa fotografia, não é suposto. Ninguém está assim tão perto de ninguém ao ponto de ver esses defeitos."
Pois. O certo é que quando te beijo de olhos abertos eu vejo tudo, e na realidade não me importo, eu gosto. Se calhar por isso é que me beijas sempre de olhos fechados.
Intro
Havia palavras que não gostava. Palavras como parir. Prenha. Porca. Tinha uma sensação de desconforto físico, como se ao ouvi-las elas me cortassem a pele. Eram palavras muito corriqueiras na boca das pessoas na aldeia, pessoas habituadas a tudo, com a pele mais dura e calosa. Imunes à cor do sangue e aos gritos de dor dos bichos em agonia.
Havia palavras que não gostava, que hoje se mostram de outras formas. Terão sido os meus ouvidos a mudar ou as bocas que as pronunciavam que agora as dizem de outra forma? Já não as sinto como lâminas, apenas como brisa que sai das bocas de quem as diz. Fui eu, eu sei. Já sei o que elas significam e não é o que eu achava que significavam. E fico-me a admirar esse espetáculo que é o tempo e o que ele nos faz, por dentro e por fora.
Paralelismo
Como está a mulher do primo Elísio?
Cá está, mal. Coitada. Não lhe conseguiram tirar a bala. Vai viver o resto da vida assim...
Vai viver o resto da vida com uma lembrança física da atrocidade do amor.
Não o disse em voz alta. Por esta altura a minha irmã contava-me das muitas conspirações existentes no concelho sobre quem matara quem, quem odiava quem. O certo, é que ninguém percebeu nada com a morte do primo Elísio - o amor também pode ser monstruoso e assassino. O certo, é que a única sobrevivente à mortandade do amor, andava na rua com uma bala dentro do corpo, e toda a gente sabia.
E eu pensei em ti e em mim.
Nas nossas balas, nas que existem e não se veem.
Balas que ardem como brasas e nos consomem lentamente. Matamo-nos em segredo, meu amor.
E é isto que sai, quando chupo o veneno das veias.
Mas é melhor assim, longe do veneno, longe das balas.
Cá está, mal. Coitada. Não lhe conseguiram tirar a bala. Vai viver o resto da vida assim...
Vai viver o resto da vida com uma lembrança física da atrocidade do amor.
Não o disse em voz alta. Por esta altura a minha irmã contava-me das muitas conspirações existentes no concelho sobre quem matara quem, quem odiava quem. O certo, é que ninguém percebeu nada com a morte do primo Elísio - o amor também pode ser monstruoso e assassino. O certo, é que a única sobrevivente à mortandade do amor, andava na rua com uma bala dentro do corpo, e toda a gente sabia.
E eu pensei em ti e em mim.
Nas nossas balas, nas que existem e não se veem.
Balas que ardem como brasas e nos consomem lentamente. Matamo-nos em segredo, meu amor.
E é isto que sai, quando chupo o veneno das veias.
Mas é melhor assim, longe do veneno, longe das balas.
Nota
Ia comprar uns sapatos, mas quando percebi que o nome do vendedor e o teu eram iguais mudei de ideias. Afinal ainda não ultrapassei o trauma de ter o teu nome gravado nos objetos à minha volta.
"Ai de mim, de que me servem os olhos se não vejo o que mais quero?" Sordel (1220-1269)
Adoro livros. O barulho das páginas, o cheiro do papel, a textura. Gosto de rabiscar frases, sublinhar. Gosto de reler os apontamentos anos depois e descobrir mensagens secretas. Gosto de comprar livros novos, em segunda, terceira mão. Gosto de livros oferecidos. Gosto de livros emprestados. Gosto de encontrar livros no lixo.
Há uns anos salvei alguns livros da reciclagem, entre eles A Rosa do Mundo - 2001 Poemas para o Futuro que ontem fez sentido abrir e reler mais uma vez. Percebi, apenas hoje, à distancia deste tempo todo, que este livro abandonado vindo do lixo, realizara um dos meus grandes sonhos: encontrar um livro anotado por outra pessoa. Este livro vinha cheio de pequenas notas, poemas diversos escolhidos a dedo e estrategicamente catalogados - todos eles de amor. E que maravilhoso foi perceber isto, pois agora, tenho espaço para sonhar com outra coisa qualquer.
O medo da infância
Deparo-me com a seguinte conclusão depois de vários dias de mastigação mental: posso estar, neste preciso momento, naquele ponto central da minha vida em que a distância que me separa da minha infância e a distância que me separa da minha morte são a mesma. Sim, podem contra-argumentar que viverei certamente para alem dos 60 anos, mas estou a ter em conta as doenças familiares, os incidentes que não controlamos, e 60 parece-me aquele ponto final possível nesta curta caminhada. Tenho pensado muito na minha infância, especialmente nos seus becos escuros e esquinas sombrias. Há muito em mim que não cresceu por ter sido quebrado nessa idade, e ainda que eu tenha vagas memórias do momento em que as coisas terríveis aconteceram, existe um véu espesso que me impede de ver com claridade. Quero enterrar para sempre os monstros, fazer-lhe o devido funeral. Chega. É possível certamente abrir janelas e deixar entrar luz. Vivamos sem obsessões no passado.
Pray for the Other Person's Happiness
Haunted by the love
That's in
My heart
I'm just haunted
By the life we live
Apart
That's in
My heart
I'm just haunted
By the life we live
Apart
Sentimentos que se repetem perante a frustração de estar a matar as palavras aos pouquinhos.
"Mais uma tentativa de arqueologia emotiva para tentar desvendar as origens das sombras que se colam às paredes da alma. "Faz coisas bonitas, tu gostas."
Procurei nos muitos blocos de notas vestígios de paixões antigas, como carcaças das quais me pudesse alimentar, mas não há nada. Frugalidades sobre a terceira idade, sobre solidão, números de telefone cujos donos desconheço e listas de compras, resume-se a isso a minha ortografia cada vez mais desconstruída e caótica.
É como se não houvesse mais nada, fico-me a desfolhar livros ate à exaustão da carne, e para contemplação apenas esta cápsula que ainda se assemelha um pouco a corpo de mulher, algo que eu sonhei ser um dia, mas sem um propósito digno - nem sequer para puta."
Procurei nos muitos blocos de notas vestígios de paixões antigas, como carcaças das quais me pudesse alimentar, mas não há nada. Frugalidades sobre a terceira idade, sobre solidão, números de telefone cujos donos desconheço e listas de compras, resume-se a isso a minha ortografia cada vez mais desconstruída e caótica.
É como se não houvesse mais nada, fico-me a desfolhar livros ate à exaustão da carne, e para contemplação apenas esta cápsula que ainda se assemelha um pouco a corpo de mulher, algo que eu sonhei ser um dia, mas sem um propósito digno - nem sequer para puta."
Hoje, mais do que nunca, subscrevo as palavras escritas em Maio de 2014.
Se queres deveras morrer, não chames a morte
É a segunda pessoa que usa esta expressão á distância de uma chamada telefônica. O que acontece quando ouvir a terceira pronunciar as mesmas palavras?
Houve quem soubesse, eu já soube
O primeiro dia no ano é sempre promissor. Renasce aquela vontade infinita de fazer qualquer coisa, nem que seja só cair desamparado sobre a areia. No segundo dia, começam as interrogações secretas, serei eu capaz de fazer todas aquelas coisas a que me propus, quero-as realmente? Serão demais para mim? Serão importantes? Porque quero eu fazê-las?
E o terceiro dia vem como uma pausa do ano que passou e deste, que agora se desenrola lentamente diante de nós como um grande novelo de dias e meses, sempre iguais aos anteriores no nome, mas com variações subtis na forma como se pronunciam.
Farei eu parte de todos aqueles que têm mais barriga que olhos?
Eu, eu quero ter mais olhos que barriga.
Subscrever:
Mensagens (Atom)